Relatório da Missão Extraordinária ao Reino do Sião em 1859 Realizada pelo Governador de Macau, Izidoro Francisco Guimarães
"No dia 8 de Janeiro de 1859 pelo meio dia Sua Excelência o Conselheiro Isidoro Francisco Guimarães, Ministro Plenipotenciário de S. M. F. na China e Siam, partio de Macao com destino a Bangkok a bordo do brigue Mondego do commando do 1º Tenente da Armada José Severo Tavares, para cumprir a Missão de que S. M. o havia encarregado de, segundo os desejos manifestados por S. M. Magnifíca El-Rei de Siam, fazer um Tratado de Amizade, Commercio e Navegação entre Portugal e este paiz. Acompanhavam Sua Exª. o Ministro o 2.º Tenente de Armada José Maria da Fonseca, na qualidade de Secretario de Missão, e o Alferes do Exercito Francisco de Mello Baracho, como Addido.
No dia 21, depois do meio dia, largaram para terra o Secretario e o Adido da Missão em um dos escaleres do Mondego, e depois das tres horas da tarde chegaram à embocadura do rio Menan ou mais propriamente Chao Prya, por quanto a palavra Menam significa em lingoa siameza mãi das agoas, e é denominação commun a todos os rios de Siam. pelas 4 e meia atracou o escaler ao cáes de Paknam, villa que fica obra de duas milhas acima da foz do rio e onde reside o governador, que commanda tambem tres fortalezas de mui boa apparencia, situadas uma em cada margem e outra em um ilhote no meio do rio, que defendem a entrada do porto.
Segundo instruções que levava o Secretario, em companhia do Addido, foi visitar o governador de Paknam e communicar-lhe que se achava fóra da barra o brigue portuguez Mondego, tendo a seu bordo o Embaixador de S.M. El-Rei de Portugal. O governador recebeu mui cortezmente os dois Officiais portuguezes e mostrou-se mui satisfeito com a noticia; fez varias perguntas relativamente ás graduações dos officiais do navio - numero da tripulação e artilharia, offereceu alguns refrescos - e tendo mandado apronptar uma embarcação siameza, que lhe tinha sido pedida, o Secretario e o Addido da Missão, depois de se haverem despedido desta authoridade, - e tendo mandado para bordo o escaler do Mondego, largaram para Bangkok n´aquella embarcação quasi no fim da tarde.
A distancia do ancoradouro a Paknam é de 12 milhas: desta povoação à cidade de Bangkok são 22 milhas seguindo o caminho pelo rio; porém algumas milhas acima de Paknam e perto de uma povoação chamada Paklat Lang ou Pklat de baixo ha um canal entre os dois pontos extremos de uma das grandes sinuosidade do rio, que diminue a distancia de 10 milhas; o canal é estreito e tem pouco fundo; é por tanto navegavel só para pequenas embarcações; aquella em que iam o Secretario e o Addido da Missão, seguio por este canal, e ás 11 horas da noite os desembarcou no Consulado portuguez, onde foram recebidos pelo Consul o Sr. António Frederico Moor, em cuja caza acharam o melhor agasalho.
No dia 22 pela manhãa o Secretario da Missão, com o Consul portuguez, Addido, e o Chanceller do Consulado o Sr. Joaquim Maximiano da Silva, que, tendo adquirido muito conhecimento da lingoa siameza durante a sua longa residencia em Siam, prestou, muitos serviços como Interprete da Missão, teve uma entrevista official com o Praklan ou Ministro dos Negocios Estrangeiros siamez, para communicar-lhe a chegada do Plenipotenciario de Portugal e tratar a respeito das cerimónias para a recepção de Sua Exa.
Sua Exa. recebeu com muito agrado o Secretario e o Addido da Missão, e com signaes de amisade os Sr. Moor e Silva que de ha mais tempo conhecia. O Secretario expoz ao Praklang o objecto da sua visita: o Ministro siamez respondeu em termos muito amaveis, dando os parabens aos cavalheiros portuguezes presentes pela feliz chegada de Sua Exa. o Embaixador de Portugal, e dizendo que essa noticia seria um motivo de grande prazer para S.M. El-rei de Siam, que de ha muito tempo esperava a Sua Exa. - que á chegada de Sua Exa. o Paknam se lhe faria a recepção, que é do estilo fazer-se aos Embaixadores estrangeiros á entrada do porto, e deu as informações convenientes acerca do cerimonial a seguir, com que o Secretario concordou.
Sua Exa. disse que indicava sómente o que era do estilo fazer-se e se tinha praticado com outros Embaixadores - que ainda não tinha recebido as ordens do seu soberano - porém que estava certo de que S.M. não deixaria de fazer que a recepção do Embaixador de uma nação de ha tanto tempo amiga de Siam fosse o mais explendida possivel. Sua Exa. o Praklang disse tambem que havia uma caza em terra destinada para a residencia da Missão, cujos arranjos ainda não estavam terminados, - para o que pedia a Sua Exa. o Plenipotenciario que demorasse de dois dias o seu desembarque em Bangkok; e que seria muito do agrado de S.M. que Sua Exa. lhe escrevesse participando a sua chegada.
Depois de algum tempo de conversação sobre diversos objectos o Secretario despediu-se de Sua Exa. o Praklang, e voltou com os cavalheiros que o acompanhavam ao Consulado portuguez. O Sr. Consul Moor incumbio-se de arranjar um vapor para rebocar o Mondego para Bangkok - o que se effeituou afretando-se o vapor americano Jack Waters, que se achava fóra, e que devia estar de volta ás 2 horas da tarde, mas que em consequencia da demora que teve na viagem chegou depois das 6 horas. Perto das 8 da noite o Secretario, Addido, e os Srs Consul Moore e Chanceller Silva embarcaram no vapor e chegaram a bordo do Mondego na madrugada do dia seguinte.
Na manhã de 23 o Mondego suspendeu da rada de Bangkok e a reboque do vapor Jack Waters seguio para a barra do Menam. Veio a bordo uma embarcação mandada pelo Governador Paknam com alguns presentes de frutas e um pratico siamez para pilotar o navio para dentro da barra, cujos serviços foram dispensados por se achar o brigue a cargo de um piloto americano, que antes se tinha engajado. As 10 da manhãa fundeou o Mondego defronte de Paknam e salvou com 21 tiros e a bandeira siameza no tope de proa: um dos fortes de Paknam respondeu á salva com igual numero de tiros.
Veio a bordo o Governador de Paknam, acompanhado de um Ajudante de varios siamezes de sua comitiva: o Governador fez os seus cumprimentos a Sua Exa. e o convidou a desembarcar em Paknam, onde Sua Exa. era esperado por um Alto Funccionario siamez (irmão do Praklang) nomeado por S.M. para fazer-lhe a recepção do estilo: - o Governador retirou-se, e algum tempo depois Sua Exa. o Plenipotenciario acompanhado do Secretario, Addido da Missão, Consul portuguez, Chanceller do Consulado e do Commandante do Mondego com alguns dos seus Officiaes em escaleres do Mondego, largou de bordo dirigindo-se para Paknam: á sahida de Sua Ex. o brigue Mondego fez as honras devidas ao Plenipotenciario de S.M.F. Ao desembarcar em Paknam salvaram as fortalezas, e Sua Exa. foi recebido pelo Enviado d´El-Rei de Siam e cumprimentado por esta personagem da parte de S.M. O lugar da recepção era um pavilhão aberto, cujo tecto era sustentado por varias columnas de madeira, levantada em uma esplanada proxima de uma das fortalezas.
No meio do pavilhão havia um estrado sobre o qual se achava uma meza com varias frutas e refrescos, e cadeiras para Sua Exa. e pessoas que o acompanhavam, e para os Funccionarios siamezes de mais alto gráo, conservando-se as pessoas do seu sequito prostadas por terra, como os siamezes, quando estão na presença de superiores. O Enviado siamez trajava um vestido de tela de ouro e seda, apertado na cintura com um cinto de ouro fechado na frente por uma chapa cravejada de pedras preciosas; e entre as pessoas do seu numerosos sequito havia um pagem, que lhe trasia a espada, e outro uma salva de ouro sobre a qual haviam um vaso para agoa com a competente taça, caixa para cigarros, caixa para o betel que os siamezes constantemente mascam, etc., - todos estes objectos eram de ouro cravejados de pedras preciosas, - e além do uso que são destinados servem tambem como insignias do gráo da pessoa a quem pertencem; os desta especie podem sómente ser usados por pessoas de alta jerarchia. Sua Exa. o Plenipotenciario e os Officiais, que o acompanhavam foram convidados a tomar alguns refrescos, e depois de uma breve demora a meza Sua Exa. retirou-se para bordo, tendo-lhe sido offerecidas pelo Enviado siamez embarcações do Estado para conduzil-o a Bangkok, no caso de Sua Exa. não preferir fazer a viagem no brigue.
O Enviado siamez acompanhou a Sua Exa. até bordo. onde se demorou por algum tempo, e depois de se haver retirado, o Mondego suspendeu novamente pelo meio dia, e seguio a reboque do Jack Waters para Bangkok, fundeando ás 7 horas da noite defronte da caza destinada para residencia da Missão, que fica um pouco acima do Consulado portuguez, e na margem do rio. No dia 24 veio a bordo o Praklang visitar a Sua Exa., e participar que se achava prompta a caza, destinada para sua residencia em Bangkok. Sua Exa. recebeu uma carta do primeiro Rei em resposta a outra, que tinha escripto a S.M. no dia antecedente. S. M. expressava a sua satisfação pela chegada do Embaixador de El-rei de Portugal, e determinava o dia 27 para ter lugar a recepção official de Sua Exa. e a entrega da carta de S.M.F. A 1 hora da tarde o Mondego salvou á bandeira siameza com 21 tiros; a salva foi respondida por um dos fortes da cidade.
Depois do pôr do sol Sua Exa. desembarcou para a caza da Missão, onde se achava o Praklang para recebel-o: - a caza achava-se soffrivelmente arranjada, e haviam alli cincoenta e oito siamezes destinados para o serviço da Missão: - neste numero comprehendiam-se as guarnições de duas galeotas do rei, que ficaram ás ordens de Sua Exa. durante a sua estada no Siam. No dia 25 Sua Exa. foi visitado por S.A.R. o Principe Krom Hluang Wongsa, irmão dos Reis de Siam, e por Suas Exas Chao Pya Kalahom, primeiro-Ministro, e Chao Pya Yommarat, Ministro de Justiça, e pelo filho do primeiro-Ministro, que é encarregado dos Negócios da Marinha. Sua Exa. foi tambem visitado pelos Consules estrangeiros, por Sua Exa., o bispo Pallegoix e Missionarios francezes, e por varios outros europeus residentes em Bangkok.
Veio tambem cumprimentar a Sua Exa. o General de artilheria que tem o titutlo de Pya Visset, e nome de Pascoal Ribeiro de Albergaria: é um dos descendentes de antigos portuguezes,de que ha muitos em Siam: é homem de mais de sessenta annos de idade e de mui agradaveis maneiras; falla portuguez mui intelligivel e escreve soffrivelmente, estes descendentes de portuguezes são em tudo siamezes, menos na religião, que seguem a christã: em lembrança dos serviços prestados por seus maiores os Reis de Siam os tem tratado com particular benevolencia.
Neste dia, bem como no antecedente, e em outros, que se seguiram, Sua Exa. foi mimoseado com diversos presentes de frutas e doces do paiz, mandados por SS.MM., pelo Principe, e pelos Ministros, SS.MM. mandaram tambem grande porção de frutas, arroz, peixe, assucar, etc., para uso da guarnição do Mondego. Em 26 Sua Exa. pagou as visitas das authoridades siamezas, e jantou com o Principe Krom Hluang, sendo tambem convidados o Secretario, Addido, Consul portuguez, Chanceller do Consulado, e o Comandante do Mondego com sete dos seus officiaes. A meza estava posta á europeia e o jantar foi magnificamente servido.
O dia 27 era o dia destinado por S.M. siameza para a recepção de Sua Exa. e entrega de carta d´El-Rei. Pelo meio dia chegaram as galeotas, destinadass para Sua Exa. e para a carta de S.M., e varias outras, que deviam formar o cortejo. São embarcações mui compridas e razas, pintadas de diversas cores, com muitos ornatos doirados: tem a popa e a proa recurvadas elevando-se a bastante altura: na proa tem diversas figuras, com o busto de um idolo, a cabeça de uma serpente, etc.; a popa tem a configuração da cauda de um peixe; estas embarcações são guarnecidas por um grande numero de remadores vestidos de vermelho, que remam com pás; dois remadores colocados na popa as governam por meio de remos mui compridos; no meio de cada embarcação ha uma especie de docel forrado de pano vermelho guarnecido de ouro com cortinas e guarnições da mesma côr; debaixo deste docel ha uma alcatifa onde se sentam as pessoas que nellas embarcam, e almofadas para lhe servirem de encosto. Na Galeota, destinada para a carta, o docel era de forma piramidal, recamado de ouro, e debaixo delle havia uma especie de throno todo doirado e de mui delicado lavor.
Sua Exa. o Plenipotenciario acompanhado do Secretario, Addido, Consul portuguez, Chanceller, e Commandante e Officiaes do Mondego, todos de grande uniforme, recebeu na caza da Missão um Alto Funcionarios siamez encarregado de condusir a carta de S.M.. Sua Exa. tomou das mãos do Secretario uma caixa de prata doirada, dentro da qual se achava a carta e a entregou ao Mandarim siamez, que depois de a ter saudado segundo o uso de Siam, a poz em um vaso de oiro coberto com um panno de veludo escarlate bordado de oiro e, acompanhado de Sua Exa. e dos Officiaes portuguezes, se dirigio para a embarcação, que lhe era destinada, onde collocou o vaso de oiro com a carta no throno, que alli havia.
Ao embarcar da carta o brigue Mondego salvou com 21 tiros, tendo a gente nas vergas, depois da salva largou a galeota, que levava a carta, e a pôz ella a de Sua Exa., na prôa da qual um marinheiro do brigue levava a bandeira portugueza, precedidas por diversas outras, em algumas das quaes haviam musicas do paiz, e seguidas por aquellas em que iam os Officiaes portuguezes, e por outras onde se achavam Mandarins de diversos gráos. As embarcações, que formavam o cortejo, eram mais de trinta, e de certo excederia as seis centos o numero de remadores, que as guarneciam. O cortejo seguio em muito boa ordem pelo rio acima, e ás 2 horas da tarde chegou ao lugar do desembarque perto do palácio do rei, onde havia um grande concurso de povo.
Ao desembarcar Sua Exa. o Plenipotenciario foi recebido por um Principe de sangue real, e um parque de artilharia, guarnecido por soldados com uniformes europeos, salvou com 21 tiros. O Vaso de oiro, em que ia a carta de S.M., foi posto em um andor levado por oito homens, no qual havia um throno e docel similhante aos da galeota, que a tinha condusido: este andor cercado por grande numero de Mandarins siamezes, rompia a marcha, seguindo-se Sua Exa. em uma cadeira doirada sobre um palanquim mais singelos; um numeroso sequito de siamezs fechava o cortejo.
Pelo caminho até as muralhas do Palacio haviam alas de tropas siamezas, formadas de differentes corpos, armados cada um de modo diverso, - uns de espadas, outros de lanças, alabardas, arco e frechas, arcabuzes, e outras armas usadas em tempos antigos, e todos vestidos do modo mais extravagante. A porta, que dá entrada para o recinto do Palacio, haviam uma guarda de soldados com uniformes á europea, soffrivelmente arranjados, que appresentaram as armas quando Sua Exa. passava. Seguiam-se mais alas de tropas siamezas, e em cada uma das outras portas, por que passou o cortejo, uma guarda de soldado vestido á europea: de espaço a espaço haviam bandas de musica militar siameza, compostas de tambores, gongos, e outros instrumentos com que fasiam muito estrondo.
O cortejo parou em um mui espaçoso largo onde se via um grande numero de edificios diversos, dos quaes uns eram os aposentos reaes, outras salas de recepção, pagodes, quarteis para as guardas d´El-Rei, etc.,: haviam tambem differentes telheiros, fechados por grades de madeira, onde se achavam formadas tropas com artilheria, algumas de grande dimensões: neste largo se achavam formadas tropas com uniformes europeos, que apresentaram as armas quando Sua Exa., lhes passou pela frente: os soldados pareciam bem excercitados, e as vozes do commando eram dadas em inglez: - o numero das tropas deveria exceder a dois mil homens. Viam-se tambem diversos elefantes armados para guerra, cobertos com xaireis de panno vermelho bordado de oiro, e ornados com outros enfeites; alguns mais estimados tinham nos dentes diversos anneis de oiro.
Sua Exa. foi condusido por um um dos grandes Mandarins a uma sala de espera onde havia uma meza, sobre a qual se achava uma salva de oiro com bétel e aréca, e dois grandes vasos de prata com embutidos de oiro - obra de Siam - cheios de agoa; em roda da meza haviam cadeiras para Sua Exa. e pessoas que o acompanhavam, e um pagem do rei fez servir chá e café. Perto destinado para Sua Exa. havia uma outra meza coberta com panno bordado de oiro, sobre a qual foi colocado o vaso, que continha a carta, ficando os Mandarins que a acompanhavam prostados diante della: - os siamezes costumam fazer ás cartas dos reis as mesmas honras que á pessoa do soberano.
Depois de algum tempo um Mandarim veio anunciar que S.M. se achava no throno, e desejava receber Sua Exa.. O vaso de oiro em que se achava a carta foi novamente collocada no andor em que tinha vindo, e o cortejo seguio na mesma ordem por entre alas e musicos vestidos de tunicas de panno vermelho, que tocavam tambores, clarins, e uma especie de businas, que produsiam um som rouco e prolongado. O cortejo parou perto de um edificio denominado Maha Prasath, de mui boa apparencia, e onde fica a salla destinada para as grandes recepções, para a qual se sobe por uma escada de marmore.
Alli se achavam collocadas sobre diversas mezas, e expostos á vista dos circunstantes, os presentes que Sua Exa. tinha levado para S.M., e que tinham sido entregues de manhãa. Depois de novas saudações dos Mandarins siamezes o vaso, que continha a carta d´El-rei, foi entregue a Sua Exa., que o tomou nas mãos e acompanhado dos Officiaes que formavam o seu sequito entrou na salla de audiencia. esta salla é mui espaçosa e alta, e assemelha-se muito a um templo; duas fileiras de collumnas de madeira lavrada com capiteis doirados sustentam o tecto, e deixam um caminho ao longo da salla; a um outro lado deste caminho grande numero de Officiaes e Nobres siamezes, talvez mais de quatro centos, prostados, por terra e seguindo-se uns aos outros pela ordem de suas graduações até ao pé do throno, formavam a côrte d´El-Rei de Siam.
S.M. achava-se no throno, que é uma espécie de janella aberta na parede do fundo da salla, elevada obras de duas varas acima do pavimento, aos lados da qual ha algumas colunas doiradas, que sustentam um docel lavrado e doirado mui semelhantes aos que se veem sobre os pulpitos de algumas das nossas igrejas em Lisboa: debaixo do throno ha um estrado para o qual se sobe por alguns degraos, e de cada lado uma das umbrelas de sette andares que os siamezes chamam satt e que são insignias da realesa: aos lados achavam-se varios pagens do rei com as espada de S.M., e outras armas, e defronte do throno os Pincipes de Sangue Real, e apoz estes os Nobres de primeira classe, entre os quaes tinham o primeiro lugar os Ministros: - estes Principes e Nobres estavam prostados sobre almofadas de veludo vermelho, e tinham junto a si as suas espadas, algumas mui ricas, e as salvas com as caixas para o bétel e aréca, etc., que também são insignias da sua jerachia: - todos estes objectos seram de oiro cravejados de pedras preciosas.
O vestuário dos cortezãos consistia em uma cabaia de seda de cor, ou de tecido de oiro e seda para os de maior graduação, e no panno com que cobrem a parte inferior do corpo, especie de chaile de seda, que arranjam de modo que parece uma calça larga e curta, que apenas lhes chega acima do joelho: alguns destes pannos tem grande preço. Os Principes e Grandes estavam vestidos de um modo similhante com a differença de serem os tecidos mais ricos, e de terem sobre a primeira cabaia uma tunica de renda branca bordada com palheta de oiro, que fazia mui bom effeito: a cabaia de dentro era apertada com um cinto de oiro guarnecido de pedrarias, e abotoada com botões de pedras preciosas.
Sua Ex. o Plenipotenciario depois de ter feito tres venias a S.M. colocou o vaso, que continha a carta, sobre uma meza coberta com um panno de veludo verde guarnecido de oiro, que para esse fim se achava defronte do throno, e depois de ter lido um discurso, em que expunha a S.M. o objectivo da sua Missão, sentou-se em uma almofada de veludo verde, colocada entre os Nobres de primeira ordem, atraz da qual se achava uma alcatifa para as pessoas do seu sequito. S. M. exprimiu a sua satisfação pela chegada do Embaixador d´El-Rei de Portugal, informou-se da saude de S.M. e da Familia real, e depois varias perguntas a Sua Exa. sobre diversos objectos fez signal para lhe ser entregue a carta d´El-Rei.
Sua Exa. tirou a caixa que continha a carta dentro do vaso de oiro em que tinha sido condusida, e subindo os degráos do throno a entregou a S.M., bem comom o seu discurso. S. M. entregou a Sua Exa um documento em que declarava ter recebido a carta de S.M.F. com todas as honras devidas e na presença da sua Côrte e Nobreza. Sua Exa. voltou a sentar-se no seu lugar, e S.M. leu um longo discurso em siamez, em que fazia a historia das relações dos portuguezes com Siam desde o seu principio, e exprimia a sua satisfação por vel-as estabelecidas de um modo mais formal e permanente durante o seu reinado: - este discurso foi depois entregue a Sua Ex. por um dos Principes. depois da leitura S.M. retirou-se, tendo asseverado a Sua Exa. que seria tratado como os Embaixadores das primeiras nações de Europa, e que hia nomear os Plenipotenciarios siamezes para se começarem as negociações do Tratado.
Logo que S.M. se retirou fechou-se uma cortina de damasco vermelho, que ha adiante do throno: toda a Côrte saudou o Soberano, pondo a cabeça em terra, e elevando por tres vezes as mãos juntas acima da cabeça: - os Principes e Nobres sentaram-se sobre as suas almofadas, e os outros Mandarins começaram a sahir da sala a seu bel-prazer. Sua Exa. e os Officiais que formavam o seu sequito foram cumprimentar a S.A. o Principe Krom-Hluang e os Ministros, e foram por estes apresentados a outros Principes e Nobres, que se achavam presentes. Praklang veio da parte de S.M. convidar a Sua Exa. para uma salla don jardim onde se achava a meza, posta à européia, e se serviu uma magnifico jantar.
A alguma da meza havia uma outra mais pequena, sobre a qual se achavam algumas garrafas de christal com vinho e licores, e uma salva com copos destinados para S. M., que appareceu quasi no fim do jantar, acompanhado de oito ou dez de seus filhos, de 4 a 8 annos de idade, do Principe Krom-Hluang e de alguns dos Ministros. S. M. conversou por muito tempo com Sua Exa. sobre diversos assumptos, informou-se dos nomes e posição dos Officiais presentes, tratando a todos com affabilidade, offerecu vinho e licores pela sua mão, e deu o seu bilhete de visita a cada um dos officiais. Terminado o jantar Sua Exa. retirou-se, sendo acompanhado até ao lugar do embarque pelo mesmo Principe por quem tinha sido recebido.
No dias 29 S.A.R. Principe Krom-Hluang Wongsa, e SS. Exas. Cháo Pya Nayok, commandante em chefe do exercito, Cháo Pya Prakalahom, primeiro-Ministro, Cháo Pya Praklang, Ministro dos Negócios Estrangeiros, Cháo Pya Yo-Marat, Ministro da Justiça, e Pya Vorapong, Ministro Privado de S.M., foram nomeaods Plenipotenciarios, e no dia 31 começaram as negociações do Tratado, que se concluiu no dia 9 de Fevereiro: - neste intervallo Sua Exa. teve uma audiencia privada de S.M., e por essa occasião teve a honra de ser apresentado a S.M. a Rainha de Siam.
No dia 10 de Fevereiro teve lugar a assignatura do Tratado a que se procedeu com todas as formalidades no Placio do Principe Krom-Hluang, achando-se presentes S.A. SS. Exas. os Plenipotenciaris, o Secretairo, Addido, Consul, Interprete, e o Commandante do Mondego com os seus Officias, todos em grande uniforme. Logo que se acabou de assignar e sellar a primeira copia, um forte, que fica perto do Palacio do Principe, deu uma salva de 21 tiros, que foi repetida pelo Mondego, que desde ás 8 horas da manhãa se achava embadeirado em arco com a bandeira siameza no tópe de prôa. A assignatura do Tratado teve lugar 2 horas da tarde.
S. M. o segundo rei, que se achava nas provincias á chegada do Mondego a Bangkok, escreveu a Sua Exa. no dia 10 annunciando-lhe a sua volta á capital e destinando no dia 12 para a recepção de Sua exa. que effectivamente teve lugar nesse dias com o mesmo cerimonial que se sguiu na recepção do primeiro Rei, sómente as tropas estavam mas bem arranjadas, e a côrte era menos numerosa. depois da audiencia o filho mais velho do Rei condusio a Sua Exa e os Officiais que o acompanhavam a uma caza de recreio, que ha dentro do recinto do Palacio, e que tem o nome de Royal pleasure Hall, onde S.M. os recebeu com toda affabilidade.
A caza achava-se perfeitamente mobilada á européa, - na salla viam-se os retratos da familia Real de Inglaterra, de Washington e do Presidente Pierce. No gabinete de S.M. achavam-se diversos instrumentos nauticos e de physica, e estantes com as obras dos melhores authores inglezes tanto em literatura como em sciencias. Na salla do jantar havia uma collasão que constava de grande variedade de frutas e doces, preparada para Sua Exa: - a meza estava posta com tanta simplicidade como bom gosto.
No dia seguinte S.M. o 2º Rei fez uma visita a Sua Exa. a bordo do Mondego onde se demorou mais de tres horas: vio o navio todo, - assistio aos exercicios de artilheria, de armas e de espada, feitos pela guarnição, e examinou os chronometros e instrumentos nauticos, mostrando-se de tudo muito entendido; depois do que se despedio de Sua Exa. dizendo que tinha vindo a Bangkok sómente para recebel-o, e que partia de novo para as provincias.
Na occasião da despedida S. M. presenteou a Sua Exa. com diversos objectos curiosos de manufactura siameza, pedindo-lhe que os conservasse como lembrança sua. S. M. vinha em um pequeno vapor, que lhe pertence, e que tem na melhor ordem possivel. Este vapor é tripulado por siamezes, e tem officiais e engenheiros siamezes.
No dia 15 teve lugar no palacio de S. M. o primeiro Rei a audiencia de despedida a Sua Exa. e a entrega da carta d´El-Rei de Siam para S.M.F. A . A cerimonia não se podia comparar em pompa com a que teve lugar para a recepção da carta d´El-Rei. Sua Exa. foi recebdio por S.M. em uma salla do jardim onde se achava o Principe Krom-Hluang, os Ministros e alguns nobres. S. M. fez varios presentes a Sua Exa., taes como costumam fazer aos siamezes a que confere o alto grao de nobreza, e pôz-lhe pela sua mão no peito uma insignia da ordem do elefante, dizendo que desejava que Sua Exa. a usasse como lembrança da sua visita a Siam. A carta de S.M. dentro de uma caixa de madeira de Siam, contida em um sacco de tecido de oiro, foi entregue a um grande Mandarim siamez, que a pôz em um andor igual aquelle que tinha condusido a carta d´El-Rei de Portugal, e que foi acompanhado até ao lugar de embarque por Sua Exa. e Officiais portuguezes, por varios Mandarins siamezes e por uma banda de musica do paiz: ao embarcar um parque de artilheria salvou com 21 tiros.
A embarcação em que ia a carta foi acompanhada por aquellas em que hiam Sua Exa. e os Officiais portuguezes até a bordo do brigue Mondego, onde a carta foi entregue a Sua Exa. pelo Mandari, que a condusia: nessa occasião o brigue Mondeg deu uma salva de 21 tiros. Achando-se concluida a Missão, de que tinha sido encarregado, Sua Exa. partiu de Bangkok a bordo do brigue Mondego no dia 17 de Fevereiro, passando a barra a 19, com destino a Singapura, onde chegou no dia 8 de Março, sahindo dalli para Hongkong no dia 18 a bordo do vapor inglez Carthage, que chegou a Hongkong no dia 28.
No dia 29 pelas 11 da manhã Sua Exa. embarcou no vapor portuguez Fernandes, que partia para Macao, e pelas 4 horas da tarde chegou à cidade do seu governo, onde foi recebido com as honras devidas à sua cathegoria.
P.S. Foi respeitada a ortografia com que este relatório foi escrito.
3 comments:
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