O Início da Feitoria
Em 28 de Dezembro de 1786 era recebida em Goa uma carta dirigida pelo rei do Sião ao rei de Portugal, na qual agradecia o socorro oferecido contra o inimigo Borrama e " a fim de não dar trabalhos na condução de tropas e apetrechos de guerra, apenas aceitava 3.000 espingardas, que o Govêrno de Goa lhe deveria mandar no mesmo ano". Sobre o pedido para fazer Feitoria no Sião, dizia aquele rei, " que ficava muito contento e estimava muito que os cristãos portugueses ali permanecessem, pelo que o nosso rei podia mandar a sua gente para tomar lugar suficiente para fazer a igreja, e algum padre para o amparo daqueles, de que há tantos anos se achavam faltos".
Em Fevereiro de 1811, foi apresentada uma moção ao Senado, pelo Conselheiro Arriaga, para se abrissem correspondências com os reis do Sião e Camboja. invocou aquele magistrado a necessidade de se renovar o antigo costume de o Senado lh escrever, a fim de fomentar maior giro da praça de Macau e obter maior receita para a caixa.
Atendendo ao facto de ainda ser ali estimado o nome português, e haver grande número de cristãos sem pastor, pripcipalmente em Camboja, os quais tinham de ir à Cochinchina cumprir os seus deveres religiosos, conveio o Leal Senado de Macao em fazer uma carta ao rei do Sião, a qual remeteu no mesmo ano pelo navio "Maria Feliz". Os brindes que, segundo o sistema asiático, eram necessários para a introdução de amizade, foram fornecidos pelo proprietário do mesmo navio, sogre do Arriaga.
Em 1812, o Conde Sarzedas, vice-rei da Índia aplaudiu, em nome do soberano, a iniciativa do Leal Senado a respeito do Sião e Camboja. Contudo parece que o rei do Sião não respondeu a Arriaga. Em Novembro de 1816, Arriaga dirigiu-se-lhe novamente em cumprimento da recomendação real, de Outubro de 1812, que determinava buscasse renovar o antigo trato muito útil a ambos os Governos, e para não permitir a decadência da praça de Macau. Tal medida era julgada vantajosa especialmente depois de um desastre sucedido aos comerciantes que, tendo ido em 1811 para Camboja, se perderam.
É também, de crer que Arriaga, temendo o futuro de Macau procurasse obter naquele país uma parcela de território português onde se pudessem acolher os portugueses, no caso de serem forçados a abandonar Macau, então sériamente ameaçada pela inveja e cobuça dos estrangeiros que ali residiam e dos celestes, que, com despeito, viam crescer a influência e benefícios dos portugueses. Só em 1818 aportou a Macau um brigue do rei do Sião com o seu enviado José da Piedade, o qual levava uma carta do dito rei para o mesmo conselheiro, a qual êste apresentou na sessão do Leal Senado de 2 de Setembro do mesmo ano.
O barão de S. José do Porto Alegre, sôgro de Arriaga, que havia enviado ao Sião o navio " S. Miguel", do comando do capitão Constantino José Lopes, foi, por pedido de Arriaga, como se vê na carta que lhe foi dirigida, encarregado de tal embarcação e respectiva carga. O Leal Senado acordou, que, pelo Procurador, se dessem dois taeis por dia para sustentação do deputado e sua comitiva , atendendo ser êste o estilo asiático, tanto mais que o Senado já assim havia cobrado para com os enviados da Cochinchina, e o rei do Sião tinha socorrido com 4 ticais por dia, valor equivalente a mais de 2 patacas, ao capitão do navio de Macau que esteve no seu país.
Foi resolvido também pelo Senado não cobrar os direitos das fzendas vindas na dita embarcação de Sião, na importância de 457.618 caixas, atendendo a ser sua carga destinada às depesas da mesma embarcação e apetrechos de guerra. Pelo que se vê na carta de Arriaga, o barão de Porto Alegre tivera parte activa na renovação das relações comerciais, o que não diminuiu a obra de Arriaga.
(1) Diz Frederico Pereira que os franceses, ciosos do prestígio que os portugueses ainda tinham, e desejosos de se verem livres de Fr. Chagas, conceberam o plano de fazer crer aos siameses que a cidade de Goa regorgitava de pedras preciosas e que só ele podia obtê-las para ornamentar os seus pagodes e palácios do rei. Em 12 de Dezembro de 1784, conseguiram que o rei do Sião enviasse Fr. Chagas a Goa, a comprar uma quantidade imensa de pedras preciosa, mas sem levar consigo nem um real.
Carta ao Rei do Sião
" Muito Alto, e Muito Poderoso Senhor Rei do Sião -
A alta consideração que merece a êste Leal Senado a renovação de amizade, que de longos tempos estava interrompida entre V.R. M. e esta Colónia, faz que êste Leal Senando, aproveitando a partida do navio "Maria Feliz" do Cap. Francisco Pedro de Lemos, que se dirige para os portos de S.M. Rei de Camboja, vá congratular a V. Mag. pelas suas prósperas felicidades, bem como recomendar a protecção de V.R.M. ao mesmo Capitão, no caso que tenha alguma dependência nod portos dos dmínios de V.R.M. em benefício tanto dos seus vassalos, como dos moradores desta Cidade, vassalos do Príncipe Regente de Portugal, que tendo mudado a sua côrte para a capital do Rio de Janeiro nos seus domínios da América, julga este Leal Senado participá-lo a V.R.M. assim como assegurar-lhe da parte do Mesmo Augusto Senhor, o muito vantajosas aos seus fieis vassalos, sendo-lhe por isso muito aoreciável toda a protecção, que V.R.M. foi servido dar a quaes quer vassalos Portugueses, que com licença de V.R. M. querão comerciar, ou estabelecer-se nesse Paiz. Este Leal Senado fica persuadº de que V.R.M. hade coincidir os desejos tão eficazes, e por isso não duvida assegurar a V.R. M., que da sua parte fará todos os esforços possíveis para merecer a V. R. M. a mais perfeita, íntima, e cordial amizade, para o que não deixará de satisfazer os seus deveres todos os que daqui forem, e frequentarem esse Paiz. A Alta Grandeza de V.R.M. o Ceo G., e felecite G. ml. anl. Macao em Mêza de Vereação 10 de Fevereiro de 1811. Eu Carlos J. Per.ª Alferes Mor. Esc.m da Camara e Fazª que a fiz escrever, e sobscrevi. Assignados): Bernardo Aleixo de Lemos e Faria. Miguel Ariaga Brun da Silveira, Manoel Homem de Carvalho, Agostinho J. de Miranda, Manoel Pereira, Raymundo Nicola Vieira, e Felix J. Coimbra".
Carta do III.mº Cons. Arriaga ao rei do Sião
(pelo navio S. Miguel)
Dado em Macao aos 22 de Novembro de 1816
(Assinado): Miguel d´Arriaga Brun da Silveira
Carlos Manuel da Silveira é enviado aos Sião pelo Conselheiro Arriaga
A 2 de Maio do mesmo ano largou de Goa para o Sião o brigue de guerra "S.João Baptista", conduzindo o cônsul Carlos Manuel da Silveira, portador de mensagem (1), um escrivão, onze empregados, uma guarda de 5 soldados para a Feitoria, dois construtores de navios e dois carpinteiros, em satisfação do pedido feito pelo Rei do Sião ao ouvidor Arriaga, o qual ficou encarregado de satisfazer a solicitação de armas e cristais da Europa, feita pelo mesmo rei. Manuel José Gomes Loureiro, Secretário do Govêrno da Índia enviou ao rei do Sião uma carta e o tratado contendo 23 artigos, do qual foi portador o Feitor português naquele reino.
(1)Mensagem enviadas pelo vice-rei da Índia ao rei, princípes e ministro do Sião, em 30 de Abril de 1820:
"Eu, Diogo de Sousa, conde do Rio Pardo, etc., tendo sabido pela correspondência dos Ministros do Despacho de Vossa Majestade com o Conselheiro Ouvidor de Macau, Manuel de Arriaga, e pela pessoal referência do deputado Carlos Manuel da Silveira, que Vossa Majestade estava disposto com sinceros desejos a instalar com a Nação Portuguesa a mesma antiga paz, fiel aliança, e reciprocos interêsses de comércio, subsistentes em tempos remotos, me apressei mandar organizar pelo Conselheiro Secretário dêste Majestoso Estado os vinte e três artigos de um preliminar que sirva de base ao tratado ulterior, os quais serão apresentados a Vossa Majestade pelo expediente do seu Ministro dos Negócios Estrangeiros; e muito estimarei, Vossa Majestade achando-os conformes aos princípios da Justiça, se digne prestar-lhe logo a Sua Régia Sanção, para produzirem sem delonga efeito nos dilatados domínios. Persuadido de que será agradável a Vossa Majestade a residência do dito Carlos Manuel da Silveira na sua Côrte, o nomeou Cônsul Geral e Feitor da nação Portuguesa para os Domínios de Vossa Najestade; nesta inteligência espero, que Vossa Majestade haverá por bem ordenar seja reconhecido com êsse carácter e se guardem os Competentes Privilégios. Não menos espero, que Vossa Majestade permitirá que êle transmita à sua presença alguns presentes, constantes da nota do Conselheiro Secretário dêste Majestosos Estado, dirigida ao Ministro da respectiva repartição, os quais o meu reconhecimento à muito Alta Dignidade de Vossa Majestade a Tainha sua Esposa, e do Príncipe seu presuntivo Sucessor."
" A Sua alteza Sereníssima o Príncipe Kroma Chiet. Eu, Conde do Rio Pardo, Vice-rei da Índia, etc., participo a Vossa Alteza Sereníssima que, chegando a esta capital Carlos Manuel da Silveira, comissionado pelo Governo de Macau para tratar nessa cõrte de Bangkok objectos do comércio entre as duas nações e dando-lhe conta não só do bom acolhimento como aí fôra recebido mas de tõdas as particularidades circunstâncias com que foram atendidas as suas proposições, deliberei enviá-la outras vez a êsse reino com o carácter de cônsul e feitor em o brigue de guerra de "S.João Baptista", para entregar ao Ministro do Estado dos Negócios Estrangeiros do Magnífico Rei de Sião os artigos de preliminar da paz, aliança, amizade e comércio que mandei formalizar sõbre bases extarídas da correspondência dos Ministros de Sua Majestade com o magistrado de Macau: Muito estimarei que V. A. S., pelo seu reconhecido Govêrno em promover a felicidade do país do Sião, e em instaurar as relações comerciais com os portugueses, antigos e fieis aliados do Sião, se digne obter de S.M. a régia aprovação dos mesmo artigos e deputação de emissários que com plenos poderes venham aqui concluir o tratado iniciado neles, para cujo transporte ofereço na vinda e ida o dito brigue, o qual espero V.A.S. tome debaixo da sua protecção e faça regressar com respostas imediatas que a monção der lugar.
"Tenho por esta ocasião a honra de apresentar a V.A.S. os meus respeitos e rogar-lhe queira receber benignamente uma pequena oferta do meu afecto mencionado na relação que o secretário deste Majestoso Estado inclui em carta dirigida ao honrado Phau Phaja Phra Khlaj."
" Muito honrado e grande Ministro do Sião - Nas lisonjeiras esperanças de que um tratado novo restaurará as antigas relações de amizade que nos dilatados anos subsistiram entre os monarcas de Portugal e Sião, cumpro o meu dever apresentar os meus respeitos a V.A.R. e pedir-lhe se digne receber benignamente uma pequena demonstração do meu reconhecimento, drigida pelo Conselheiro Secretário dêste Majestoso Esatdo ao Ministro da repartição de El-Rei seu pai."
O 1º Ministro do rei do Sião respondeu ao vice-rei da Índia nos termos mais amistosos, concedendo-nos o terreno para Feitoria, ao cõnsul honrarias e ao vice-rei da Índia presentes. Por este importante documento foi feita a cessão a Portugal do território da Feitoria, o qual constitui um dos pergaminhos da nossa história ultramarina de maior valia, atenta à época em que se acha redigido e a categoria do rei do povo que fêz tal concessão.
Carta do Primeiro-Ministro do Rei do do Sião a Miguel d´ Arriaga
Dado em Siam ao primeiro de Julho de 1816 - Sello do Chan-Phra-Phaja-Khlang."
III.mo Snr.
Admitindo o Rajak de Siam a renovação do comercio com esta Praça, conforme a carta que me enviou, entregue a José da Piedade seu Empregado, como descendente de antigas famílias denominadas Portuguesas, o qual na qualidade de Deputado vindo em hum Bergantim do mesmo Rajah, que me pede mande delle tomar conta, bem como da carga que lhe pôz a bordo para as Despezas da Deputação neste Porto, devo espero, que V.S.ª a quem se deve semelhante renovação, por ser quem com este fim ali mandou o navio San Miguel a levar a minha primeira carta, a que aquela serve da resposta, quererá encarregar-se dito Bergantim e sua carfa, a fim de que na realisação desta, não encontre o Proprietario qualquer lezão como muito receio da parte dos Chinas; dando V.S.ª em conformidade d´aquellas providencias que tiver por conveniente, e servindo-se avisar-me do que mais careça, para levar a efeito esta comissão que V. S.ª conheça quando tem de influencia com o plano futuro. Entendo que o Deputado e sua comitiva devem ser socorridos de comida e casa pelo Leal Senado, como he estillo entre os Aziaticos em tais circunstancias, exceto na oferta gratuita - que V.ª S.ª me mandou fazer de suas Lorchas para a descarga, e armazem para receber o trem da embarcação; nada mais resta do que aquela descarga para a qual acha V.ª S.ª inclusas as ordens para os guardas abordo, e para a Alfandega, a onde quero que se dê preferencias na entrada e bom agazalho às fazendas do Bergantim cujos direitos V.ª S.ª não pagará sem receber a decizão do mesmo Leal Senado, que promoverão à vista da sua pequena monta e fim a que se destinam os generos, abonado V.ª S.ª com recibo do Deputado o necessario para as despezas de bordo.
Deus Guarde a V.ª S.ª
Macau (?) de Setembro de 1818. Assinada Miguel d´Arriaga Brun Silveira."
Instruções particulares dadas ao cônsul Silveira
1º - Instar pelo cumprimento da promessa do rei do Sião para construir a nossa Feitoria em Bangkok;
2º - Pôr em execução determinados atrtigos do preliminar no tocante aos interêsses do nosso comércio;
3º - Esforçar-se para obter a redução dos direitos a pagar pelos portugueses nas suas alfândegas:
4º - Procurar introduzir a nossa pólvora de Goa com privilégio exclusivo, pelo preço de uma rupia a libra, a-fim-de dar mais actividade, e conveniência à nossa fábrica;
5º - Vender armas concertadas;
6º - Manifestar o desejo de que comissários venham com plenos poderes coordenar o tratado definitivo;
7º - Procurar restabelecer a nossa Missão como sucedeu no ano 1786;
8º - Evitar tôdas as complicações que desagradem e transtornem as negociações;
9º - Manifestar desejos de colocarmos a Feitoria no pôrto da Ilha de Tchon Semoisan, para o comércio e construção de embarcações, e, logo que conseguida fôr essa permissão, procurar imediatamente administrá-la.
" Eu, Tchau Phis Phaklão, Primeiro Ministro de S. Majestade o Rei do Sião, faço saber a V. Ex.ª e Ilustríssimo e Ex.mo Sr. Diogo de Sousa, Vice-Rei e Capitão General do Estado da Índia, que recebemos as cartas e ofertas enviadas por V.ª Ex.ª pelo Cônsul Geral, e eu fiz introduzir a Audiência de S. Majestade o Soberano o mais amado dos seus Povos, e juntamente o Comandante do Brigue com os seus oficiais, e havendo S. Majestade tomado conhecimento do conteudo das Cartas de V. Ex.ª, e as do Ministro de Macau para renovar a antiga amizade dêste Reino com Portugal, e estabelecer uma Feitoria com a residência de um Cônsul neste Rino para o que se deram as prontas providências para se pôr em execução, e se entregue ao Cônsul Geral Carlos Manuel Silveira, um chão, que lhe parece próprio e conveniente com 72 braças de Sião ao Longo do Rio, e 50 ditas de fundo e com dois gudes para fazer Navios, com privilégio que todos os portugueses poderão vir aqui negociar como antigamente, porquanto S. Majestade é mais inclinado à nação portuguesa que a nenhuma outra. O Cônsul Geral e Comandante do Brigue, e seus oficiais recebererão 4 meses de comedorias a 160 ticais por mês, e o mesmo Cônsul Geral S. Majestade foi servido honral-lhe com Título de Luong Phai Phanit, e o cingiu com as insígnias daquela Graduação. As ofertas de V. Ex.ª para S. Majestade foram recebidas todas, e entregues aos seus Oficiais respectivos. S. Majestade ordenou ao seu Ministro para enviar a V.Ex.ª pelo Comandante do Brigue "S.João Baptista" 100 picos de açúcar, 3 de marfim, 15 de calem, 20 de pimenta, 3 de tinta amarelada, e espera que V. Ex.ª aceite em consideração à sua particular estima. As ideias de V. Ex.ª, unidas às do Ministro de Macau Ilustríssimo Sr. Miguel de Arriaga Brun da Silveira, a fim de instaurar a antiga amizade dêste Reino com o de Portugal o faz dignamente merecedor de ser o 1º Representante de S. Majestade o Rei de Portugal na Índia. E se esta amizade fôr com efeito restabelecida firmemente, como deseja S. Majestade, e os Portugueses aqui venham comerciar francamente, será um motivo de eternizar para sempre o nome de V. Ex.ª, entre tôdas as nações do Mundo inteiro até que exista o Céu e a Terra. S.Majestade recomenda-me avisar V. Ex.ª para que sirva informar a todos os mercadores que aqui venham que tragam espingardas bastantes, e boas, porque S. Majestade muito necessita delas. Deus Guie a V. Ex.ª por muitos anos, Bangkok aos 5 de Lua do 12 mês do ano Marong de 1182, que corresponde à Era Cristã 9 de Novembro de 1820."
De Goa é enviado o Padre Agostinho Borges
Depois de uma longa interrupção na acção religiosa exercida por portugueses, o vice-rei empregou os maiores esforços para enviar um padre para o Sião. Tais esforços originaram uma troca de correspondência algo azêda com o bispo de Goa, Fr. Manuel S. Gualdino, que se justificava em não satisfazer tal pedido, não só por Sião já não pertencer à diocese de Goa ou de Malaca, facto êste que lhe não permitia exercer jurisdição para confessar, etc., mas também porque, dos oitenta portugueses ali existentes, apenas 30 insistiam em que se lhes enviasse o padre e se queixavam do bispo francês vigário apostólico do Sião.
Finalmente, o vice-rei da Índia conseguiu que fôsse enviado Fre. Agostinho Borges, com o fim de satisfazer a solicitação dos cristãos de Sião e em especial os da confraria de N.S. do Rosário, que não queriam subordinar-se aos missionários franceses, lá estabelecidos. É de estranhar que à insistência dos portugueses pedindo que lhes fôssem enviados mais padres, o prelado de Goa, lhes tivesse respondido mandando-os entregar aos vigários apostólicos franceses tudo lhe pertencia do culto religioso, com a ameaça do inferno se continuassem a ser rebeldes. Assim era satisfeito a vontade de Roma, ainda que se perdesse o prestígio de Portugal!
Ouvidor Miguel Arriaga
A extraordinária personalidade do Grande Ouvidor de Macau, Miguel de Arriaga Brun da Silveira, que tão decisiva e importante influência teve nas relações portuguesas com o Sião, força-me a abrir um parentesis para lhe consagrar umas breves e justas linhas de preço e homenagem, tanto mais justas quanto é certo que dos seus biógrafos, que conheço, nenhum se referiu ao seu enorme esforço para reatar com aquele país as perdidas e outrora grandes relações de amizade, esfôrço êsse que tão altamente elevou e prestigiou Portugal n mais remoto canto da Ásia.
Nada justificaria o meu silêncio em volta do seu nome, que nos parece como a última chama viva e fecunda intensidade e tremeluzir no crepúsculo da nossa decadência política e comercial no Oriente. Ainda obscuro e modestíssimo obreiro da história colonial, eu julgo que seria imperdoável a ignorância de tal individualidade ou o seu esquecimento, porque ignorar a vida e obra de Arriaga seria desconhecer umas das épocas de maior actividade mercantil e maior honra para Portugal na Ásia e seria prosseguir na injustiça que algumas vozes ainda hoje cometem para com o magistrado que tão crivado de injustiças foi, pela política de ódio e pela ingratidão dos homens do seu tempo.
De resto, de que serviria a História se às sociedades e épocas recuadas não fôssemos colher os ensinamentos que elas nos legaram para nos servirem de advertência no futuro?
Disse Herculano:
"Para fartar de amarguras os corações que amam a terra da Pátria, não é necessária a história: sobra-nos a vida presente."
Assim tão desprezado tem sido, infelizmente, na nossa terra, a história colonial, como ramos indispensável da história pátria, que quási nos limitamos a reter uns vagos indícios do que foi essa colossal afirmação de vitalidade da nação, além-mar, e sobretudo no Oriente. Foi nos enredos mesquinhos que se perderam os grandes homens.
Pela ignorância se poderão perder as Colónias, êsses legados preciosos alcançados e mantidos à costa dos mais extremados sacrifícios, se não se revelar devidamente, com as suas necessidades presentes, a sua vida anterior, quero dizer, a sua história, que ainda será a nossa melhor arma para fazer calar as insaciáveis e inquietantes cobiças alheias. Se Arriaga não foi expoente máximo da nossa acção no Extremo-Oriente, durante os últimos séculos, não sei quem melhor possa ter sido um representante dos portugueses de 1500, transviado noutra época.
Bastaria o exame dos seus planos de comércio e estreitamento de relações com a Índia e outras colónias e países para que êle deva ser considerado um grande administrador e um grande português. A geração que em Macau se lhe seguiu, e que se devia ter educado na acção cívica do seu exemplo e na robustez moral dos seus obejctivos, sumiu-se sem deixar mais que um lampejo de glória em Mesquita
E de que culpas ela poderia acusar neste momento!
Deixemos isso, para seguir o astro na curva ascensional da sua glória. Arriaga, que para alguns passou por ser o Marquês de Pombal de Macau, descendia de uma família nobre da ilha do Faial e foi tio.avô do primeiro Presidente da República Portuguesa, Dr. Manuel de Arriaga, Filho de José de Arriaga Brun da Silveira e de D. Francisca J.B. da Câmara, foi cursar leis na Universidade de Coimbra, concluindo a sua formatura em 1800, tendo 24 anos de idade.
Pelo favor da Corte e pelos seus merecimentos pessoais ascendeu no mesmo ano ao cargo de Juis do Crime do Bairro da Ribeira, em Lisboa, sendo pouco depois promovido a desembargador da Relação da Índia, com o cargo de Ouvidor de Macau e tendo superintendência sôbre Alfândega, Câmara, Fazenda, Orfãos, Confrarias, Capelas, Defuntos e Ausentes.
Tendo chegado a Macau em 28 de Julho de 1802, e tmando posse do seu cargo, imediatamente se revelou "um digno ministro, honra dos togados e coluna forte da glória nacional", como disse José Inácio de Andrade, onze anos depois da sua morte. Arriaga, que "sabia que a justa distribuição dos prémios e das penas é a melhor acção do govêrno sôbre o povo, servia-se desta principal mola do coração humano para animar a virtude e o mérito e obrigar o interêsse particular a promover o interêsse público".
Amante da justiça e tendo no mais alto grau a dignidade da sua profissão e o orgulho da pátria a que pertencia, tinha a meúdo a frase que bem se podia pôs diante de todos os governantes portugueses: " Os favores dados à incapacidade são roubos, feitos ao merecimento, e as recompensas dadas a quem serve a Pátria são dívidas que o Govêrno para por elas".
Sem descurar por um instante o que mais lhe cumpria, Arriaga, pelo ano de 1805, levou os chineses a reconhecerem e a respeitarem a nossa soberania, fazendo julgar pela nossa justiça um caso de assassínio em Macau, na pessoa de um chim, feito por um siamês. Quando o almeirante Drury quis ocupar Macau, o pretexto de defender esta nossa colónia dos franceses, foi Arriaga quem conseguiu que aqueles retirassem com uma provocada ameaça dos chineses, e que êstes, por fim, em número de 80.000, que se achavam dispostos a marchar sõbre Macau, desistissem do seu seu intento.
Infestando os mares da China e ameaçando a própria dinastia chinesa o célebre pirata Can-Pau-Sai, foi Arriaga quem combinando e preparando o ataque que o havia de fazer render-se, aprestou os navios, e do seu próprio bolso mandou construir duas canhoneiras para tal fim. No encontro de Arriaga com os mandarins e Can-Pan-Sai, para tratar da rendição, o Tigre do Mar - como era conhecido, - dirigindo-se a Arriaga disse-lhe: "Grandes motivos me fazem render e tratar convosco da minha capitulação para entrar na classe dos "Colaos", como me prometeste pelo Imperador.
Mas confesso-vos que o principal foi conhecer o fulcro da alavanca destruidora do meu poder. Já vos vi; estou satisfeito. Devo muito à natureza e à minha assídua aplicação; mas em tudo me achop convencido por vós". E voltando-se para os mandarins; "Tendes por experiência de 14 anos visto quão poderos e vigilante foi o meu sceptro: sabeis agora da minha bôca que o valor português foi quem o destruiu. Aqui me tendes: espero que metrateis como homem livre e destemido".
Arriaga, segundo descreve Andrade, era "dotado de presença cavalheiresca e gentil, de uma fisionomia onde se compadeciam os índices do génio com os da maior bondade do coração e de maneiras tão urbanas como sedutoras", conciliava o respeito com a familiaridade, sendo a sua casa o asilo de todos os malfadados.
As suas dávidas a albergues, a viúvas e orfãos; a vacinação, de que pela primeira vez se fês uso na China quando as epidemias devastavam a população; a distribuição de alimentos, quando a fome batia à porta dos desamparados, e outros actos de generosidade e filantrofia, sobretudo quando as tempestades açoutavam a colónia e deixavam sem asilo as suas vítimas, fizeram-no adorado pelos pobres e humildes.
Deles disse, na sua conferência no Instituto de Macau, intitulada "Silhouettes portugais d´Asie", o meu venerando amigo e erudito escritor e investigador histórico Padre Regis Gervais (Endore de Colomban) (1) a quem Macau tanto deve, e a quem o nobre Portugal, por ele tão exaltado na imprensa nacional e estrangeira, tem em aberto uma dívida de gratidão que cêdo ou tarde tem de ser paga:
" Ce latin de haute souche et d´education privilégiée, fut le Ricci civil de la Chine au 19 siécle; et l´Histoire qui l´oublie, devrait inscrire son som dans fastes les plus memorables que l´Europe a dressés en Asile depuis Marco-Polo.Car son rôle social dans ces contrées de tourmente chronique ne se borna pas à rehausser le bon renom portugais, mas encore à révéler aux Jaunes la science do pouvoir rayonnant d´un barbares d´Europe, que n´etait pas comme les autres. L´on parle beaucoup et avec raison à Macao de l´energie civique du lieutenante de Mesquita qui, avec une poignée de volontaires, mit en fuite une armée d´envahisseurs; I´on vante aussi la fermeté du gouverner Amaral qui paya de industrie d´Arriaga sa douce bonhomie qui lui gagne tous les coeurs, et qui le dispense, pour remporter haut la main les plus belles victoires, de verser son propre sang et celui d´un peuple ombrageux qui avait appris à l´aimer. Oh! si l´idée venait un jour aux édiles de cette cité, d´élever une statue à ce grand citoyen, nous serions tous fiers de le désigner du doigt aux passants et de leur dire: Ce fut Arriaga, dernier champion en Chine de l´homeur Européen."
(1) Missionário frnacês ao serviço da Diocese de Macau, desde 1917 a 1927 . como professor do Seminário. Modêlo de virtudes raro exemplo de infatigável investigador histórico e de gratidão e admiração por Portugal. Entre as suas publicações é de salientar: Hommes et chose d´Extrême-Ocident (2 séries), Zéphyrin Guillemin, Grisailles (3 séries),, Brimborions, Esquisses jaunes, Resumo da História de Macau, Histoire abrégée de Macao (2 volumes), Principal redactor, durante muito tempo, do "Boletim Eclesiástico", ali iniciou a sua projectada obra sõbre a influência portuguesa na China, a qual destinava, por gratidão, à família de Carlos da Maia. Em Pequim, como colaborador da Politique de Pekin, tem continuado a mostrar à China e ao mundo a generosa acção de Portugal no continente sínico.
P.S. Foi respeita a ortografia do autor e inseridas as imagens publicadas.
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