Monday, July 2, 2007

Relações dos Portugueses com o Sião

O Capitão de Artilharia Jacinto José do Nascimento Moura, autor do "Resumo da História de Macau", "Os Portugueses no Japão" colaborador de várias publicações e jornais, desenvolveu um excelente trabalho histórico, relativo, às relações entre Portugal e o Reino do Sião. Quatro artigos foram publicados no "Boletim da Agência Geral das Colónias", nas publicações 68, 69, 70 e 71, do ano de 1931. Vários historiadores têm inseridos vários parágrafos de autoria do historiador nos seus artigos em cima do relacionamento histórico entre Portugal e a Tailândia. Porque nos parece ser de interesse e útil estes trabalhos do brilhante historiador ser conhecidos vamos transcrever, na íntegra, os quatro artigos.
1ª Parte

O sonho de Afonso de Albuquerque

Datam as relações dos portugueses com o Sião desde a conquista de Malaca pelo grande Afonso de Albuquerque, em 1511. Esta cidade era então um dos ângulos do triângulo Ormus, Goa e Malaca, que abrangia o império imaginado pelo grande conquistador. Todos os potentados da península Malaia, excepto o de Malaca, estavam sob a zuzerania do rei do Sião. Povoada por uma infinidade de povos asiáticos, era o maior e mais opulento empório de tõda a Ásia. A sua privilegiada situação geográfica tornava-se um óptimo centro de irradiação.

Porém, o pânico e assombro causados pela chegada dos portugueses, entre os mercadores, que a esta cidade acorriam de tôdas as bandas, desde o Levante ao Pacífico, foram enormes. Muitos procuraram nas tranquílas margens do Menam, em Patane (reino do Sião), o abrigo e segurança que julgavam não lhes permitir ali aquela gente estranha e aguerrida, que mal se continha no bojudo arcaboiço das suas empavesadas naus e galeotas e que tão insólitamente vinha quebrar a torrente de proventos e honrarias de que eram detentores os filhos espirituais do Islam.

A população de Malaca, que se compunha então de cem mil almas, ficou, por isso, bastante reduzida.Afonso de Albuquerque, sem detença, enviou ao reino de Sião Manuel Falcão com alguns navios para esclarecer, e, se preciso fosse, aprisionar alguns mercadores, a fim de voltarem a Malaca, onde só a paz, justifica e boa administração encontrariam.


Desta forma, em breves dias, voltou a riqueza e prosperidade ao grande entreposto marítimo que, por ironia do destino, devia mais tarde tombar, nas mãos dos seus novos usurpadores, em ruina e miséria, envolvido em nostalgias do passado. Era, porém, necessário ao sonho grandioso do Império, concebido pelo estadista maior entre os maiores da nossa história, estabelecer relações com os povos asiáticos.

Assim, para o Sião enviou, como embaixador, Duarte Fernandes, o qual, tendo seguido no junco de um siamês, desembarcou em Ajutia, então capital daquele reino, situada a 80 milhas da embocadura do rio Menan. Duarte Fernandes levou de presente ao rei uma espada guarnecida de ouro esmaltado, e foi muito bem recebido por ser representante dos que tinham abatido o orgulho dos seus vassalos rebeldes.
Cumprida que foi a sua missão, Fernandes regressou por terra a Tenassarim e aí embarcou com destino a Malaca, acompanhado por um embaixador siamês, que levava ricos presentes e carta para o rei de Portugal, na qual ele mostrava o seu contentamento pela tomada de Malaca. Mas tarde, Albuquerque mandou ainda António Miranda de Azevedo e Manuel Fragoso, com o fim de estudarem aquele país, o seu comércio, os seus usos, a profundidade dos seus portos, etc.

Tendo eles seguido por mar até Taranque, foram daqui, por terra, até Ajutia. O seu empreendimento foi coroado do melhos êxito. Posteriormente, em 1517, o governador de Malaca enviou, como novo embaixador àquele país, Duarte Coelho, um português categorizado, levando ao rei cartas e presentes, a fim de estabelecer tratado de paz e comércio com êle. Esta visita ficou assinalada por um padrão no ponto mais alto da cidade. Neste período, a cidade de Ajutia estava no seu mais elevado espledor e glória.

Um antigo nissionário F. Gervaise, descreve-a como sendo uma maravilhosa Veneza, situada na ilha mais encantadora. A sua população era numerosa não inferior a 60.000 homens de idade militar, e o seu comércio importantíssimo.Fernão Peres de Andrade tinha partido para a China com nove naus e grande número de portugueses, alguns dos quais se estabeleceram pelo Camboge (1) e outros pontos, formando tresentos deles o corpo da guarda real do Sião.

(1) Em 1570, Cristôvam Diogo, expulso do Japão, refugiou-se no Camboge, sendo o primeiro europeu que penetrou no interior e revelou ao mundo as soberbas ruínas de Angkor e o majestoso templo de Nagkon Wad, sustentado por mais de seis mil colunas de magnífico mármore)

Início da cristianização
São confusas as notícias acêrca da data precisa em que se deu o advento do cristianismo no Sião e até a que ordem religiosa pertenciam os primeiros missionários. Um autor chega a indicar S.Francisco de Xavier (2) como sendo o primeiro, atendendo a que Malaca era uma dependência daquele reino. Como é sabido, a S. Francisco surpreendeu-o a morte a 2 de Dezembro de 1552, na ilha chinesa de Sanchuão, quando, de volta do Japão, se preparava para regressar a Malaca, a fim de ali obter licença para ir ao Sião e tomar parte numa embaixada que lhe constava que o rei dêste país ia enviar à China.

Segundo Gervaise, o superior da Missão de Malaca mandou alguns jesuitas ao Sião, os quais não acharam vestítigios de cristianismo, tendo sido êles que ali primeiro publicaram em siamês alguns livros religiosos, entre os quais um catequismo, que ainda era usado no século XVII. Segundo outros autores, os dominicanos e franciscanos devem tê-los precedido.

O Messenger of the Sacred Heart of Jesus (edição francesa de 1914), aponta os franciscanos como os primeiros apóstolos do Sião e indica o nome de um deles, F. Jerónio de Aguiar, como tendo estado ali em 1583. Tudo, porém, nos faz crer que, já antes desta data, os dominicanos ali tivessem ido, pois, segundo Bowring, os portugueses, que ele afirma se espalharam pelas províncias de Tenassarim, Mergui e Licor, já tinham construído uma igreja na capital do Reino.

Por uma carta datada de Goa, de 26 de Dezembro de 1569, vê-se que o superior da Missão de Malaca, Fernando de Santa Maria, mandou dois missionários ao Sião, antes de 1565, os quais se chamavam Jerónimo da Cruz e Sebastião do Couto. Afirma-se que estes dois missionários foram recebidos com alegria, o que parece mostrar que a religião cristã já era favorávelmente conhecida no Sião.

É, porém, natural e quási certo que os primeiros navegadores, que se dirigiam ao Sião, se fizeram acompanhar pelos religiosos, que lhes ministravam a religião e estudavam a língua do país, difundindo também a portuguesa, a qual, até meados do século passado, foi a língua diplomática para celebração de tratados. (1)

O zêlo e devoção dos missionários depressa atrairam o ódio dos muçulmanos, a cuja religião pertencia, práticamente, a maior parte dos que monopolizavam o comércio do país. O padre Jerónimo foi vítima da ferocidade dêsse ódio. Após a sua morte, o seu companheiro, tendo ido a Malaca, voltou ao Sião com mais dois missionários, a 23 de Agôsto de 1567.

(1) O último celebrado na língua portuguesa foi o tratado com a América, em 1833, no qual foi estabelecido que, se para o futuro o Sião de Portugal, a América podê-lo hia estabelecer tambem)(2) S. Francisco era espanhol e estava ao serviço de Portugal)

Defesa de Ajutia pelos portugueses
Grande número dos portugueses que se espalharam pelo Sião vieram fixar-se perto da cidade de Ajutia. Um padre dominicano forneceu o plano para a construção de uma fortaleza, que tem sido considerada a melhor de todo o Sião, e os portugueses fundiram os canhões, que por eles eram guarnecidos.Tendo o rei Mandara, dos birmaneses invadido o Pegú, pensou também, por um fútil pretexto, (1) em se apoderar do Sião.

Segundo o príncipe Damrong (2), os portugueses, que maior parte se ofereceram voluntáriamente para a defesa dêste reino, foram durante longos anos, na luta com os exércitos do Pegú, os seus melhores auxiliares. Tendo aquele rei atacado as tropas do Sião, com um exército comandado por um portuguûes, de nome Diogo Soares, e cercado a capital em 1546, conseguiu após muitos meses, entrar nela, fazendo-a render pela fome. Irritado com os portugueses (3), que tão galhardamente o haviam defendido, auxiliados por um navio português, que ali fora arribado, vingou-se nos católicos (4).

Por falta de víveres, Diogo Soares evacuou o Sião, mas o rei do Pegú, no ano seguinte, veio pôr novo cêrco a Ajutia. As tropas portuguesas foram, depois da retirada, dadas regulares porções de terreno, onde se fixaram, o que deu origem a essas povoaçóes idígenas cristãs que ainda hoje conservam seus antigos nomes e onde é fácil encontrar apelidos portugueses, como Pereiras, Campos, Barros, Sousas etc.

A defesa da capital tinha sido confiada aos portugueses, comandados por Diogo Pereira, o qual resistiu a tôdas as tentativas de subôrno feitas pelo rei do Pegú. Distinguiu-se ali, como combatente. Domingos de Seixas, que se encontrava no Sião desde 1517. O renome e valor dos seus feitos chegaram a Lisboa, e, constando nesta cidade que êle estava prisioneiro, o rei D. João III mandou certificar-se disso por Francisco de Castro; o qual verificou que, pelo contrário, êle exercia o alto comando das fôrças siamesas e gozava mercês do rei do Sião.


Em reconhecimento deste serviço aos portugueese foi concedido durante anos, a isenção de impostos, e aos seus missionários foi, segundo Turpin, completamente permitido prégar a sua doutrina.Em 1558, o rei do Sião, que havia jurado uma guerra de morte ao rei do Pegú, auxiliado pelos portugueses e por alguns dos seus navios, atacacou-o nas suas fronteiras, fazendo dez mil cativos, que trouxe consigo.

(1) Recusa do rei do Sião de ceder um dos elefantes brancos que possuia.
(2) Conferência realizada em 1925. Cumpre-nos prestar aqui a S.A. o Príncipe Damrong e ao secretário do Instituto Real, sr. G. Goedês, a maior gratidão por todos os obséquio e pelas informações que muito solicitamente me prestaram acêrca das relações entre Portugal e o Sião.
(3) O exército do Sião era comandado por quatro marechais, dois dos quais eram portugueses.
(4) Encontram-se alguns esclarecimentos na "História de S. Domingos", de F. Luis Cácegas, completada por F. Luis de Sousa.
A perseguição contra os religiosos
Porém, a ilimitada confiança do rei nestes estrangeiros e o grande prestítigo deles entre o povo, que dia a dia mais se manifestava pelas numerosas conversões, indispunha contra êles os nobres, que tentavam desacreditá-los perante a côrte. Ofereceu-se-lhes uma oportunidade, que prontamente foi aproveitada. Uma siamesa foi molestada por alguns portugueses.

Imediatamente aqueles foram afirmar ao rei que os autores, ou, pelo menos, os instigadores, tinham sido os missionários. Não foram ainda desta vez escutados. Uma outra oportunidade, porém, veio favorecer os seus desígnios: uma siamesa abraçara recentemente a religião cristã, contra o desejo de seu marido. Êste jurou vingar-se dos missionários. No domingo seguinte, em 1599, enquanto o padre Fonseca dizia missa, aquele entrou na igreja e, dirigindo-se ao altar, ali mesmo o assassinou.

Os portugueses que a tal assistiam prenderam o criminoso e fizeram justiça sumária. Então o padre Jorge foi apontado ao rei como fomentador de discórdias e rebelião. O padre, considerando que a sua presença podia criar grandes embaraços aos cristãos, partiu para Malaca num navio espanhol.
O rei deu, porém, ordem para que atacasse o navio, prendesse o padre e o metessem em azeite a ferver. Da luta travada, em virtude de tal ordem, resultaram mortos e feridos, entre os primeiros um missionário, o padre João de S. Pedro.

Contudo, o navio conseguiu partir co o padre Jorge, o qual veio a morrer pouco deA vingança do rei incidiu então sôbre os missionários que ficaram no país. Em 1600 foram executados os padres João Maldonado e Afonso Ximenes, que haviam sido aprisionados no golfo do Sião. No mesmo ano, o governador de Martaban comunicava ao rei que um missionário, Melchior da Cruz, tinha chegado ao seu território.

O rei, suspeitando que fôsse o padre Jorge, mandou que êle se apresentasse. De tal forma aquele missionário se conduziu perante o rei, que êste o autorizou a prégar em Ajutia, onde aquele obteve fundos para construir uma nova igreja, em 1602.
A evangelização tornou-se próspera, em vista do que os superiores de Malaca enviaram ao Sião mais cinco missionários: Pedro Lobato, Jerónimo de Mascarenhas, Jerónimo de S.Domingos, João do espirito Santo e Diogo Duarte. A breve trecho, Ajutia tornou-se uma florescente cristandade, a qual não tinha menos de cinco mil cristãos, distribuídos em três paróquias.

Fernão Mendes Pinto
São devidas algumas palavras a êste notável viajante português, que tão célebre se tornou pelas suas aventuras. Nascido de pais humildes, em 1509, quando tinha 28 anos partiu para o Oriente, como tantos outros portugueses, a tentar fortuna. Aqui demorou-se vinte e um anos, tendo percorrido a China, a Índia, as Celebes, etc., como soldado, marinheiro, mercador, doutor, missionário e mesmo embaixador.
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O seu livro Peregrinação, posto que inexacto ou exagerado em alguns pontos, (se isto talvez porque foi escrito tempo depois do seu regresso a Portugal, ou por ser fundado em grande parte nas informações que lhe eram dadas por compatriotas), é de um grande valor, quer como trabalho literário, quer pela pormenorizada narração de factos que hoje tanto nos interessam conhecer.

Durante muito tempo foi tido por... Fernão Mendes Minto ou Muito Minto. Hoje, porém, faz-se em parte justiça ao seu trabalho. Entretanto, as passagens relativas ao Sião têm algo de inverosímil. Assim, a sua chegada a êste reino parece não ter sido no ano de 1546, por nesta data se encontrar em Java.

É dificil conceber um engano de datas, porque êle próprio afirma que esteve até ao fim de 1547 nas actuais Índias neerlandesas, tendo naufragado nas Celebes quando se dirigia à China. Em virtude do facto, apontado, julgamos perder o interêsse a narração que êle nos dá do Sião, por, provávelmente, ter sido feita apenas por informações.

Oferta do pôrto de Martaban

Em 1606 o novo rei do Sião mandou uma embaixada a Goa ao vice-rei, pedindo que fôssem enviados comeriantes para o tráfico com o seu reino, e, segundo afirma Cretineaus Joly, na sua História da Companhia de Jesus, dirigiu convite, para visitar os seus Estados, a Fr. Tristão Golaio, o qual se fêz acompanhar por Baltazar Sequeira.



Em 1616, novamente o rei do Sião mandou embaixadores ao vice-rei, D. Jerónimo de Azevedo, implorando o seu auxílio contra o rei de Ava e oferecendo, em paga, o pôrto de Martaban para a coroa portuguesa. Tendo sabido o vice-rei que, devido à guerra entre o Pegú e Ava, se perdera a fortaleza de Sirião (1), considerou tal pôrto como uma preciosa oferta, e nomeou seu embaixador Frei Francisco, fazendo-o, provávelmente, acompanhar de tropas de Goa.

Este foi entusiasticamente recebido pelo rei. Estava então tal soberano desejoso de assegurar a amizade com o rei de Portugal. Assim, em 1618, mandou-lhe um embaixadores e pediu a Frei Francisco para os acompanhar. Ao chegarem a Goa, o vice-rei deteve-os para aguardarem que êle tivesse tempo de avisar o rei de Portugal da sua pretendida visita. Desapontados, os embaixadores, com esta inesperada interferência, regressaram ao Sião, deixando em Goa Frei Francisco, aguardando a resposta do rei.

1) Ilha ao sul de Rangum, onde um português, Felipe de Brito Nicote, chegou a ser nomeado vice-rei e a quem os pequenos ofereceram a Coroa de Hongsandadi. Felipe de Brito foi, por fim, barnaramente assassinado pelos peguados.

Rivalidades entre ordens religiosas

Um documennto menciona que, em 1620, o novo rei do Sião mandou uma embaixada a goa informar o vice-rei da sua subida ao trono e pedir novos missionários, em consequência do que, em 1621, foi concedida a completa liberdade para aqueles instruirem o povo na sua religião e construirem uma nova igreja. Entretanto, novos apóstolos, pertencentes às várias ordens religiosas, iam chegando.

Mas, ou por dissenções entre estas, ou devido a quaisquer desordens com os soldados, ou ainda a tôdas estas razões, e, também, por causa do facto apontado por Cretian Joly, de um corsário espanhol ter destruído um dos navios do rei, os missionários vindos das Felipinas foram acusados de cumplicidade, e Fr. Margico foi levado à prisão, onde morreu envenenado, ficando perdida a missão. Em 1651 orngnizou-se, em França, uma sociedade de padres para prégarem o Evangelho.

Em 1662 chegou ao Sião o bispo Bérythe, o qual se foi instalar no campo dos portugueses, onde começou a prégar em português. As desinteligências levantadas origimaram, porém, a sua fuga e refúgio no campo dos holandeses. De Goa insistia-se no pedido de expulsão das missões francesas.

Estas, por seu turno, enviaram um emissário à côrte de Luis XIV, a pedir a protecção. Clemente VII, em 1669, concedeu por bula, a M. de Heliopolis, as funções episcopais no Sião e em todos os países que não fôssem do domínio dos portugueses ou espanhois.

Depois de porfiada resistência para evitar a queda do poder eclesiástico português no Sião, êle veio a cair, pelo ano de 1790, nas mãos dos apostólicos da Propaganda e com êle tôdas as igrejas, capelas e bens religiosos, extinguindo-se assim ali o facho da luz do cristianismo de Portugal.

Intrigas dos holandeses contra os portugueses


Fortalecidos pelo tratado de Munster, que legitimara as suas conquistas no Oriente, com prejuizo de portugueses e espanhois, possuidores de grossos capitais e de uma poderosa esquadra de milhares de navios, os holandeses não se conformaram com as honrarias e privilégios concedidos aos portugueses pelos reis do Sião.



Quando não atacavam os navios e territórios de Portugal, serviam-se da traiçoeira calúnia junto dos povos asiáticos. O meio de que principalmente usaram era apontando os religiosos como instrumentos de uma pretensa absorção política. As perturbações políticas e revoltas no Sião, favoreceram os desígnios dos holandeses. O rei apenas governou um ano, porque um ministro o assassinou para fazer subir ao trono um irmão daquele.


Os primeiros tempos do reinado do novo monarca foram assinalados por uma tensão de relações entre o Sião e Portugal, por motivo da suspeita de que os portugueses conspiravam junto da Côrte. É, porém, mais provável que isso se deva a intrigas dos holandeses, que tinham auxiliado o novo monarca a subir ao trono, na esperança de suplantarem os portugueses, seus rivais no comércio. Nesta altura, um navio corsário holandês, tendo atacado um navio do rei do Sião, acarretou para a nação holandesa mau conceito e prejuísos, como o confirma um documento da Holanda, datado de 1663.

Os holandeses readquiriram, contudo, a sua grande influência, obtendo a concessão de uma feitoria, estreitando-se as relações entre o Sião e a Companhia das actuais Índias Orientais neerlandesas, cujo poderio chegou a alarmar o próprio monarca siamês, que tomou precauções contra ela. A embaixada portuguesa, mandada em 1635 para restabelecer as bases de comércio e amizade entre o Sião e Portugal, encontrava, por isso, algumas dificuldades.

Empréstimo do rei do Sião a Macau

As relações entre o Sião e Macau tinham-se tornado tão estreitas pelo ano 1660, que o rei daquele país, conhecendo a precária situação do tesouro de Macau, fês um empréstimo ao Senado, de 665 cates e 800 arráteis de prata, no ano de 1718, tendo voltado uma certa felicidade e bem estar a Macau esta pôde pagar as suas principais divídas, entre as quais figurava a dívida ao rei do Sião.


Em 21 de Novembro de 1772 foi lavrado termo sôbre a remessa da última prestação da dívida do Senado ao rei do Sião. Como prova do reconhecimento pelo empréstimo, o Senado resolveu mandar presentes ao rei e a Barcalao, como segunda entidade mais garduada naquele país. A remessa foi na importância de 2.287 taéis.

Com tal quantia se comprou sêda à razão de 179 taeis por pico, a qual foi remetida por mão do capitão Manuel Leme da Silva, no barco "Nossa Senhora da Penha e S. José" Constantino Falcão Colbert, o grande ministro de Luis XIV, não via com bons olhos a influência que a Companhia Holandesa tomara, e resolveu, para se lhe opôr, fundar a Companhia Francesa das Índias Orientais.

Ao mesmo tempo, enviou missionários a tomar o lugar dos portugueses, que haviam perdido Malaca, fulcro de tôda as nossa expansão no Extremo-Oriente. Os holandeses suplantavam os portugueses e ameaçavam conquistar o Sião. Nesta altura, governava ali como Primeiro Ministro um grego, de nome Constantino Falcão, que se havia convertido ao catolicismo pela acção do jesuita António Tomás.


Falcão era casado com uma senhora portuguesa, vinda do Japão, D. Guiomar de Pina, dama da princesa, sôbre a qual exercia grande influência. A simpatia de Falcão e afinidades com os portugueses levavam-no a ter por êstes preferências especiais e a manter, sobretudo com Macau, grandes relações recebendo desta colónia isenções de direitos e outras provas de deferêncais e consideração (1).


(1) Entre outros pedidos que encontrei nas actas das sessões do Leal Senado, de Macau, destaco o seguinte: Pelo ano de 1686 foi à cidade de Macau a nau "Águia Real", do rei do Sião, com uma carta de Falcão, na qual pedia para que tôda a fazenda (areca, sapão e caleim), que nela ia, como na nau de "N.Sª do Rosário" e no barco de André noseta, se não tirassem direitos para Macau, porquanto as fazendas eram do rei do Sião, que as mandava para lhe serem ali compradas muitas coisas para seu serviço.

Mas as consequências da perda da nossa independência tinham sido tão profundamente sensíveis no oriente, que não permitiam fazer esperar a Falcão um auxílio de Lisboa, da Índia ou mesmo de Macau, quando recorresse aos portugueses. Para defender o Sião dos holandeses recorreu, então, a França, a qual mandou uma embaixada que se perdeu no Cabo da Boa Esperança. Luis XIV, conhecedor dêste facto, apressou-se a enviar ao Sião uma embaixada, chefiada por Mr. de Chaumont, ao qual foram dispensadas tôdas as honras e as maiores deferências.

De presente a Luis XIV foi dada a cidade de Zingora, a qual era a mais indicada para obstar ao domínio do Sião pelas fôrças holandesas. Para a defender pediu Falcão àquele rei algumas tropas. Em 1687 chegavam de França e iam alojar-se nas fortalezas de Bangkok dôze companhias, com um efectivo de oitocentos homens, as quais asseguravam não só o trono contra a cobiça dos de Holanda, como dos nacionais descontentes.

Os portugueses, que gozavam naquele reino de simpatias e prestígio como guerreiros, e que ainda possuiam uma cidade a duas léguas da côrte, com três igrejas, um seminário e uma população de mais de duas mil almas, julgaram diminuído o seu prestígio jutno do rei Phra-Narai, e não aceitaram o convite para comparecerem à recepção feita a Mr. de Caumont, facto êste que foi muito notado.

Falcão, (1) que foi o tradutor dos pedidos da embaixada, de tal modo se houve que a França compensou-so com o título de conde e com o grau de Cavaleiro da Ordem de S.Miguel. (2) O número dos descontentes no país era cada vez maior. Os holandeses, vendo ameaçado o seu comércio, fizeram causa comum com os nobres e com os padres.

O resultado foi a revolução de 1688, desapossou o rei da coroa e da vida, sendo Falcão mandado matar por Pitraxa, chefe da conspiração, e os franceses vítimas de uma guerra cruel. Acolhidos nas cristandades portuguesas, concorreram para a desconfiança que sôbre êstes se levantou, chegando a ser alguns condenados a servir os elefantes.

(1) Falcão, parece que não recebia honorários mas vivia do favor oficial que o isentava de impostos e seus cinco ou seis navios que tinha de sua propriedade e que traficavam com Macau e Japão.(2) referem-se pormenorizadamente ao assunto as seguintes publicações: "Relation de l´ambassade a la cour du roi de Siam" " L´Ambassade de Siam au XVIII Siécle par M. Etienne Galois, Paris, 1862" " Jounal du Voyage de Siam"

Decadência dos portugueses

A anarquia que reinava no Sião, após a morte do rei Phra-Narai, não permitia seguras e fortes relações com o exterior. A própria Europa passava por evoluções políticas no século XVIII. Ao abatimento da Holanda sucedia o poderio da Inglaterra. As relações com os portugueses, outrora grandes, esmorecem, com a morte daquele Rei.

No entanto as visitas (1) de navios de Macau ao Sião iam-se espaçando mercê do declínio do prestígio dos portugueses naquele país (2).

(1) Em 18 de Março de 1723 tomou o Senado de Macau conhecimento de uma carta do rei do Sião, pedindo-lhe que lhe mandasse umas alcatifas europeias, ficando assente que se mandasse ao rei, aos príncipes e a Barcalao alguns presentes juntamente com as alcatifas .(2) Em 1668 foi a Macau a nau do rei do Sião, e de Macau foi mandado um navio pertendente a Pero Vaz Sequeira, a fim de felicitar o novo rei.

Tal declínio podemos atribuir, especialmente, a três causas: 1º Falta de missionários portugueses, que, como chefes espirituais e homens ilustrados, pudessem orientá-los. (É certo que a evangelização na Extrema-Ásia não tem tido sempre os resultados mais lisongeiros.

Pelo contrário, tem-nos acarretado hostilidades e perdas irreparáveis, como sucedeu no Japão. Contudo, no Sião tais hostilidades nunca tiveram um carácter de tama gravidade). 2º A luta, sob o ponto de vista comercial, entre os portugueses e os holandeses, e também ingleses, franceses, japoneses, malaios,peguanos, macassares, cochinchineses, que o foram guerrear e disputa a influência junto da Côrte. 3º O enfraquecimento da raça. (1) Acontecimentos políticos de grande importância reduziram a cinzas a cidade de Ajutia, e Bangkok, a futura capital do Sião, em 1782, foi escolhida para residência de Phya-Thak, aclamado Rei.

Os cristãos por isso dispersos, passaram a juntar-se em Bangkok, junto do rio Menam, onde os portugueses conseguiram construir uma igreja, em torno da qual edificaram as suas moradas. Batidos, depois, pela adversidade, procuraram junto do Govêrno de Goa o envio de padres, mas a pobreza a que os portugueses tinham chegado, vítimas de uma luta com rivais europeus mais poderosos, e sobretudo, com os franceses, não lhes permitiu mater os padres enviados de Goa, os quais tiveram de regressar. Só em 1782 foi enviado Frei Francisco das Chagas, da Ordem dos Prégadores, o qual foi alvo das intrigas dos franceses, sendo-lhe impossível restabelecer o antigo prestígio dos portugueses. (Continua)

(1) No livro "Degenerescence des races" se apontar abundantemente as causa da nossa decadência. Lunet de La Jonquiére refere-se da seguinte forma aos portugueses que se estabeleceram no Sião: " Un petit groupe de descendants des Portugais qui vinrent s´établir lá au XVI siécle se serra autour de la vieille église de Santa Cruz, qui qu´ils leur laissérrent comme seul héritage, à se rattacher aux lointains ancétres venus d´Occident, et cependant, dpuis longtemps sans doute, le sang indigéne a elimité les quelques hérédités européennes des premiers métissages. Le camp des Portugais etait le plus ancien et le plus important, avec leur facilité d´assimilation, ils n´avaient pas tardé à faire souch dans le pays, mais leur éclat palissait et métissage mén diminuait le prestige de leur race."

P. S. Foi respeitada a ortografia do autor e inseridas as imagens que foram publicadas no "Boletim da Agência Geral das Colónias - Edição de Fevereiro de 1931.


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