Friday, July 6, 2007

Relações dos Portugueses com o Sião

Autor: Jacinto José do NascimentoMoura (Capitão de Artilharia)
Continuação - 3ª Parte
As lutas políticas, que no século passado tanto prejudicaram Portugal, tiveram a sua repercussão não só na Índia, como também em Macau. Ao embate das paixões seguira-se a cegueira aniquiladora da obra económica e política, que fôra a determinante da criação da Feitoria. Os instintos suplantaram a razão, e, sem fé no ressurgimento, foi vibrado mais um golpe na já abatido comércio português na Extrema Ásia.
Mal compreendida por uns, desamparada por outros e hostilizada pela mor parte, que costuma opõr a tõda a inovação a resistência tenaz da incredulidade e os óbices da rotina, só por um quási acaso a Feitoria subsistiu até nossos dias. O vice-rei da Índia (1), em carta a Arriaga, exprimia-se acêrca dela do seguinte modo:

"Saberá que os seus e meus adversários, Chanceler e Ajudante General, dois dos membros instalados da primeira Junta Provisória, hoje depostos pela segunda revolução acontecida aos 3 de Dezembro, os quais tramaram com partes falsas do comandante e do piloto da Barra ficar o brigue "S.João Baptista" até Maio demorado em Goa... cuidaram ser negócios da maior importância deitar, sem a menor delonga de tempo, à gaita a Feitoria do Sião, isto quando os inglêses se lisongeiam nos seus papeis públicos de ter o Govêrno de Bengala com avultadas despêsas conseguido estabelecer naquele reino uma Feitoria, pôsto ,muito menos priviligiado que o nosso.
Por êste despotismo, contra o qual é preciso reclamar, e outras semelhanças de vinganças que essa Primeira Junta intrusa e ilegalmente instaurada tinha praticado, houve no dia 3 de Dezembro uma terceira quarta revolução do que resultou serem depostos todos os membros do Govêrno e nomearem-se outros, ficando presidente da nova Junta o sr. D. Manuel da Câmara, que a 26 de Novembro chegou a Goa para suceder-me como Capitão General".
A Feitoria sofreu, como vimos, com as perturbações políticas que agitaram a vida portuguesa. Assim, em 17 de Janeiro de 1822, foi extinta pela Junta Provisional do Govêrno da Índia, quando ainda se não podiam ter tirado conclusões acêrca da sua utilidade, sem colher os frutos que se esperavam da sua criação. O vice-rei, que se seguia àquela Junta, ordenou ao Leal Senado que deliberasse " se a Feitoria devia ser abolida e abandonada, ou se devia continuar em outro pé, e que se excecutasse e se assentasse pela forma mais conforme".

A falta de comunicações com o Sião, no período intranquilo por que passou Macau de 1821 a 1823, a falta de união e espírito mercantil, que já minava fundamente o Estabelecimento Português na China, veio lançar os funcionários da Feitoria e consulado do Sião na mais crítica das situações, por falta de recursos para subsistirem dignamente.

Pelo ofício de 1824 do então governador (1) da Índia D. Manuel da Câmara se poderá ajuizar de tal situação. Dízia êle que "Carlos Manuel da Silveira e seu escrivão se conservavam em Sião em todo o abandono, desepero e na maior penúria, achando-se nas circunstâncias de serem reduzidos a uma dura escravidão, por não terem com que satisfazer as dívidas para as suas subsistências, atribuindo a culpa tõda à Junta Provisória de Goa, que extinguiu a Feitoria, não administrou meios para aqueles empregados voltarem, nem mandou pagar o que lhes devia".

As cartas do cônsul relatavam as misérias, penúrias e escravidão, que ele ali sofria, pedido remédio a seus males e abandono. Contava alguns casos "em que muito padeceu da parte do rei, príncipe, etc. por causa de estar ali abandonado e pobre, pontos muito delicados nos países asiáticos", e finalmente acusava ter sacado contra o Senado de Macau (15.692 xerafins e 4 tangas), pedindo, de uma maneira lamentosa, socorros de dinheiro e embarcação "para sair daquele inferno".
(1) Foi elevado a vice-rei por Carta Régia de 22 de Agosto de 1814)
Arriaga e as deliberações do Leal Senado
Arriaga, que fôra o criador da Feitoria, sofreu com o ódio que lhe votavam seus rivais. Tendo sido preso, conseguiu refugiar-se em Cantão, só voltando a assumir as funções do seu cargo em 1824. Não tardou, porém, a morte em libertá-lo da profunda dôr e desgõsto que seus concidadãos lhe haviam feito padecer. Na sua presença, o Leal Senado, em sessão de 22 de Abril de 1824, assentou por comum acôrdo:

"1.º - Que se verificasse o pagamento ao cônsul das conveniências não recebidas;
2.º - Que se conservasse a Feitoria no pé da sua criação, pelas razões então ponderadas, e que, sendo a criação do consulado procedente de uma convenção celebrada a recíproco contento de dois governos, não se coadunava com o decôro nacional qualquer alteração sem que igualmente procedesse mútuo consenso;
3.º- Que se publicasse a continuação da feitoria, para ver se algum proprietário destinava para o Sião o seu navio, para nele irem em socorros ao cõnsul, e pessoa para o substituir no consulado".

Na sessão seguinte estipulou o Leal Senado 1.000 taeis de paga para o cõnsul e 400 taeis para o seu escrivão, e nomeou o morador Miguel Vicente Rosa para cônsul. Nesta mesma sessão o conselheiro Arriaga participou ao Leal Senado que havia escrito ao ministro do Sião para obter do seu rei um adiantamento para as despesas do cõnsul, adiantamento êste que depois lhe seria pago, conformando-se nisto com as intenções do vice-rei, manifestadas em ofício datado em 8 de Abril de 1821.
Após a sua morte, o Leal Senado, no mesmo ano de 1824, comunicou ao Govêrno de Gôa que não podia calcular quanto seria preciso remeter para resgatar as dívidas daquela Feitoria, ou de seu cônsul, além de que tinha falecido o conselheiro Arriaga, quem tratava destas

dependências, não tendo também tratado do transporte do novo cônsul nomeado, por falta de navios. Requereu ainda ao vice-rei da Índia para enviar um brigue de guerra e uma pessoa capaz para tomar conhecimento das contas entre o rei do Sião e o cônsul, "sem o que nada se poderia obter, pois ninguém queria ter comércio com aquele reino, sabendo que o cônsul tinha contraído dívidas com o rei em nome da Nação".
Mero pretexto para dilatar a resolução do caso! Entendeu por isso o Govêrno de Goa responder ao Senado" que era impraticável o envio do brigue, por não haver vasos disponíveis nem pessoa capaz para ir tratar de semelhante negócio, a um país mais vizinho de Macau, não sendo a causa principal de assim se não ter executado a falta de numerário, pois que no estabelecimento da Feitoria e nos dois armamentos do brigue "S.João Baptista", em 1820 e 1821, a capital do estado (Goa) sacrificará tudo o que pudesse dispõr para o nome português não ser marcado com o ferrete de ignomínia, abandonando-se à sua sorte um seu empregado mandado a tratar negócios que se apreentaram de muita importância na cõrte de um príncipe bárbaro, idólatra e desconfiado".

Concluia por fim, aquele govêrno que lhe parecia justo, que como Macau e seus habitantes devessem colher quasi tôdas as vantagens da mesma Feitoria, sôbre êsses reacissem as depesas da sua manutenção.

O Leal Senado é asperamente censurado pelo governo de Goa

A morte de Arriaga fôra fatal para a Feitoria. A aura de prestígio e simpatia que êle tivera em Macau tinha-se perdido para não mais voltar. Se bem que seja costume dizer-se que os mortos mandam, no caso presente, porém, sepultado que foi o corpo inane de Arriaga, como já não havia dêle favores a esperar, nem penas a temer, não havia ordens suas a cumprir, nem desejos a satisfazer. O entusiásmo, quasi ingénuo, pelo progresso de Macau e pelo engrandecimento do nome português, que dêle irradia, envolvendo a muitos na sua chama de fê viva, sumira-se na húmida terra do seu coval.

Estava-se no ano de 1827 e o Leal Senado ainda não achara oportunidade de remeter ao Sião 1.200 patacas e cumprir ordens do vice-rei e deliberações em palavras e não em factos, com desdoiro da Nação. D. Manuel de Portugal e Castro, novo vice-rei da Índia, manifestou estranheza ao Leal Senado, por não terem sido cumpridas as ordens anteriores, e enviou cartas das seguintes entidades acêrca da Feitoria, uma do Governo de Bengala; outra do capitão Burney, enviado inglês regressado do Sião, dirigida ao secretário daquele Govêrno, George Swinton, que dizia ser a situação do cônsul português altamente injuriosa ao carácter

europeu; outra do cônsul ao mesmo Burney, pedindo interferência do Govêrno de Calcutá junto do Govêrno da capital de Goa; e outra do mesmo cônsul para o Governo de Goa, relatando suas misérias, acompanhando a conta das despesas da Feitoria até 2 de Julho de 1826, na importância de 27.541 xerafins.

Mostrava-se, ainda, aquele vice-rei extremamente impressionado, pelo facto de um Govêrno estrangeiro ter reconhecido o pouco caso que se fez de uma matéria tão grave, que decidia do crédito ou do desprêzo da Nação. Ordenou, por isso, que o Leal Senado tomasse medidas prontas e eficazes, a-fim-de que o cônsul pudesse sair com a decência que cumpria ao decôro nacional, e que o Leal Senado se pudesse em estado de pagar as dívidas, que o cônsul tivesse contraído para a sua subsistência, e pagar também a sua passagem e do seu escrivão.

Fazia outra vez ao leal Senado responsável perante sua majestade, a quem passava a dar parte dêste negócio, da inexecução das ordens do govêrno de Goa e de tudo quanto acêrca dêle tinha decorrido.

Os governos de Portugal e de Goa procuram melhorar a situação do cônsul e da Feitoria

A infanta regente, tendo conhecimento da vergonhosa situação em que se encontrava a representação portuguesa na Côrte do Sião, ordenou ao Leal Senado que lhe remetesse todos os esclrecimentos, e informações possíveis acêrca do préstimo e carácter do cônsul. Carlos Manuel da Silveira, e seu escrivão, Cipriano José Baptista, assim como do estado e veradeiras vantagens a esperar da dita Feitoria, comércio e construção de navios em Sião.

Entretanto o govêrno de Goa escreveu ao govêrno de Bengala pedindo-lhe fizesse chegar às mãos do cõnsul 2.500 rupias, para o mesmo cônsul poder retirar-se como seu escrivão da cõrte do Sião, avisando ao dito govêrno que podia sacar tal quantia sôbre a Caixa Real de Macau. Infelizmente o estado das cousas, a respeito da Feitoria Portuguesa em Sião, era o mais desanimador possível.

A correspondência, por falta de navios para aquele põrto, achava-se paralisada. A divida ao rei do Sião, feita em nome da Nação, era cada vez maior, por ter de se lhe acrescentar a do falecido conselheiro Arriaga. Por isso, as duas mil e quinhentas rupias pedidas a Bengala não foram bastantes para fazer retirar o cônsul e saldar a conta com o rei.

Segundo um documento "tudo oferecia incentivos ao comércio e ganância dos especuladores, se os preliminares de amizade entre os dois reinos fôssem ratificados e se mandasse um homem que soubesse agradar ao novo rei e ao 1º ministro e de quem os comerciantes pudessem confiar, homem com desejos de a todos ser útil, capaz de proibidade, e que olhasse para bem o público, como devia". Parece em tal documento atribuir-se ao cônsul todo o insucesso da Feitoria, quando é certo que se maior fôra o cuidado de alguns, maior teria sido o proveito de todos.

Como o cônsul justifica a falta de comércio com o Sião e aparecia a existência da Feitoria

Ouçamos o cônsul Silveira:

" Os siameses estavam antes bem animados a terem muito trato com os portugueses e particularmente com Macau, mas acontecimentos passados fizeram irritar o seu carácter desconfiado e presunção, e hoje parece que perderam aquela confiança que tinha sôbre êles. Porém, eu julgo que havendo qualquer tráfico, ao menos só com Macau, e de êles tirem algum interêsse, e haja boa fé e exacto cumprimento nas promessas, será fácil recuperar o nosso crédito, particularmente quando se lhe mostre tôda a independência e não continuemos a vir aqui mendigar carga.

Referindo-se à Feitoria dizia: se os ingleses tivessem êste cómodo lugar já tinham aqui ao menos duas grandes casas que certamente seriam capazes de produzir um grõsso rendimento ao Estado, já pelo frequente aluguel dos gudes (1) que seriam feitos de outro modo, já que rendimento das habitações e godões, e os por cento que se concede ao cônsul. Isto é fácil que nós também o façamos; e em Macau há quantas casas ricas e bem acreditadas, que fariam melhor abraçar êste plano, que arriscaram em ópio posto em Linting.

Não é permitido a outro estrangeiro ter aqui terreno, e as casas que alugam são apenas cubiculos só para malabares e de pouca segurança com respeito a fogo. O cônsul nunca deve ser mercador, para ser totalmente independente e melhor atendido nas suas requisições, a bem da sua Nação e comércio, e nas causas judiciais, que fôrem suscitadas entre os nossos com outros em que êle deve ao menos um navio, e será conveniente e digno da protecção de V.S.ª (o Leal Senado) de favorecer quando puder para vir algum, e que venha estabelecer aqui uma casa de comércio, como acima fiz presente a v. ex.ª, algum dêsses ricos e poderosos mercadores de Macau, que os há, e com assaz inteligência para a fazer manejar com a energia necessária, e mostremos a êste rei, ao Praklang e até aos estrangeiros que também temos com que dar uso a esta Feitoria e suas importantes circunstâncias.

Eu tenho falado com alguns amigos meus, particularmente, com dois mais respeitados cristãos, que há neste país, e os mais estimados dos dois reis; eles são próprios descendentes de portugueses de portugueses e chamam-se Bendito Ribeiro de Albergaria e Pascoal Ribeiro de Alvergaria. êstes homens e o capitão do pôrto, José da Piedade, são do meu acôrdo e me certificam que o rei cederá que paguemos os mais moderados direitos possíveis, e que gozaremos de muita consideração a seu respeito, e isto, junto com grandes lucros que se podem tirar, não deve ser indeferente a todo o bom português.

O segundo rei, que é muito inclinado aos cristãos, tem dito em pública audiência, porque não aparecem as nossas mercadorias, que elas terão sempre mais entrada, e mais franqueza que nenhuma das outras nações. Depois de estabelecida a concorrência de comércio, e, juntamente, uma ou duas casas neste lugar, o Estado pouco ou nada terá depois que dispender com a Feitoria, porque ela renderá assaz com que se possa manter sem assistência de outro lugar".

(1) Estaleiros



A Feitoria

A Feitoria está situada num terreno, a 13º 42´30" de latitude N. e 109º 50´30" de longitude ao Oriente de Lisboa, na margem esquerda do rio Menan e a 25 milhas da barra de bangkok. O terreno da Feitoria, na posse do consulado, que anteriormente à cedência a Portugal fôra ocupado por um príncipe anamita, confronta a Oeste com o rio "Nenan Chao Prya"; a Norte com


um caminho público estreito que o separa de outros terrenos e habitações particulares; a Leste com o caminho público ou rua "Bush Lane"; ao Sul com o riacho "Klong Bang Rak", que separa a Feitoria da Central dos Correios e Telégrafos franceses, onde se encontrava outrora a legação de Inglaterra.

A Feitoria (1) tem actualmente de comprimento Norte-Sul à margem do rio Menan 113, 91 metros e no lado oposto interior, 121,61 metros. De largura de Leste a Oeste, 87,78 metros na extremidade oposto. A sua área é calculada em quási 17 mil metros quadrados. Todo o terreno está dividido em quatro lotes. A contar do riacho, o consulado encontra-se no segundo lote. Em todos os lotes há casas e armazéns, construídos pelos antigos inquilinos, hoje pertencentes ao consulado.

Dêstes armazéns tem tirado o consulado uma receita apreciável, devido Às suas situações e por estarem alugados a firmas estrangeiras. Pelas informações prestadas pelo actual cônsul, tanto o consulado como os armazéns estão em mau estado. Um ponto tem sdo objecto de referências desfavoráveis para o cônsul Marcelino Rosa e que desejo pôr em evidência.
São as dimensões da Feitoria. Diz-se que êste cônsul ofereceu uma parte (a metade, supõe-se, do terreno a uma linda siamesa, a qual, para pagar uma dívida ao jõgo, hipotecou aquele terreno po 99 dólares mexicanos à missão americana dos Baptistas. Como a missão não fôsse reembolsada da importância emprestada ficou com o terreno. Embora não haja docuemntos que provem êste facto, há a tradição entre os siameses, que contam isso, e um velho missionário americano de nome L. Schmidt, que conheceu Marcelino Rosa, e que em Bangkok residiu muitos anos, narrava várias vezes o facto, dizendo que se tinha passado com ele.
Parece-me que tal facto se verifica comparando as dimensões do terreno apontadas na carta dirigida pelo primeiro ministro do Sião ao vice-rei da Índia, com a data de 9 de Novembro de 1820, atrás publicada, e as do que hoje está na posse do consulado. Calculando as 72 e 50 braças siamesas ali indicadas a 6,5 pés cada, e sendo cada pé 0,303 metros, temos, respectivamente, de dimensões 142,272 metros num sentido e 98,80 metros noutro, o que é evidentemente diferente das que a actual Feitoria tem.

Examinando-se o acto de posse do cônsul Carlos Manuel da Silveira, verefica-se que o terreno era dividido em duas partes quási iguais, separadas por uma pequena angra deve ser ser sinónimo de riacho. Como existe nas delimitações da actual Feitoria um riacho que a Sul a separa da central dos Correios e Telégrafos, onde se achava a legação de Inglaterra, é naturalíssimo que o terreno, que foi ocupado por esta legação, tivesse sido o que pertenceu à Feitoria.

Aos investigadores e curiosos fica apondao êste assunto (1), que se me afigura de algum interêsse histórico e ainda que mais não seja, para perpétua condenação de um funcionário menos digno que o caso ou favor levou a tão melindroso posto no estrangeiro, que não soube honrar.
(1) Creio não seria difícil averiguar êste facto nos arquivos da Missão Americana dos Baptistas ou mesmo na Legação de Inglaterra. Apesar de não termos poupado a longos trabalhos para fazer esta resumida notícia, não podemos ir mais além.

O cônsul Silveira é substituído por Miguel Rosa

O cônsul Silveira ia-se malquistando no Sião, não apenas pelas irregularidades que, porventura, cometesse, mas por intrigas de estrangeiros e má vontade (2) do Praklang. Em 1829 a situação do cônsul era tal que o Senado de Macau houve por bem mandá-lo retirar, enviando no brigue "Esperança", o morador Miguel Araujo Rosa para o substituir.

Silveira dirigiu-se a Goa e Miguel Rosa pouco tempo se demorou no consulado, fazendo-se substituir por seu filho, Marcelino de Araujo Rosa, que o havia acompanhado. Pelo exame que temos vindo fazendo acêrca da personalidade do primeiro cônsul no Sião, evitámos em classificá-lo, devido à situação de abandono a que vimos foi relegado o consulado, quer por Macau, quer por Goa, quer ainda pela Metrópole, que nada resolviam quanto à parte importante da sua sustentação, entertidos todos mais nas lutas internas do que no prestígio do nome português no estrangeiro. Seria ele de facto, um dêsses individuos imorais a quem por incúria na selecção, ou por falta de rigor na punição, esteve confiada


a representação de Portugal num país distante, ou seria pelo contrário, por ilógico que isso pareça, um patriota devotado ao seu país, acoimado de relaxo?

Não têm sido raros os exemplos que a História nos regista de factos desta natureza. Os mais dignos filhos de Portugal têm sofrido da injustiça dos seus concidadãos. Não foi Camões, o cantor imortal das nossas glórias, de Macau e Goa a dar contas dos espólios; e Albuquerque, o aguerrido conquistador e o criador do Império Oriental Português, acusado por dever ao tesouro e por fim morto de inveja e pela ingratidão de quem o devia admirar e halardoar?

Se o Oriente foi a nossa ruína como o disse Oliveira Martins, aliás exagerado no seu conceito, devemos confessar que ela se deve mais aos nossos dissídios caseiros, do que à insuficiência dos meios para arcarmos com a obra que inicalmente nos propusemos ali realizar. Haverá, pois, também que filiar a má reputação (1) de Silveira no campo vasto da ingratidão e injustiças humanas?

Mas quem poderia invejar um cargo de cônsul sem receitas, com fracos honorários e tardiamente ou nunca pagos?

(2) Pelos conselhos prestados por Silveira ao seu sucessor Rosa se vê que alguma coisa deve ter havido de má vontade do Praklang que tivesse concorrido para o mau conceito em que as autoridades siamesas tinham o cônsul Silveira.

"Se os negociantes de Macau tomassem a peito a convencer éste Rei de que a difiuldade de virem navios era tão sómente por não haver um tratado, que estipule com estabilidade a redução de direitos e franqueza de comércio, deveriam associar-se os mais poderosos entre êles e mandarem um navio de 200 a 300 toneladas tão sómente destinado a comerciar em Bangkok, e então veriam o que resolveria o mesmo Rei e o seu Praklang: fazendo o cônsul a êsse tempo persuadi-los (ao Rei e Praklang) que com efeito os negociantes de Macau".

(1) Referindo-se a Silveira disse um seu contemporâneo, Miguel Rosa, que ele possuia "génio altivo e governativo, e ao mesmo tempo que possuia qualidades de trabalhador e de tal modo que pôde fazer chegar os seus clamores aos pés do trono".

(Continua)

P.S. Respeitada a ortografia do autor e inseridas as fotos publicadas.

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