Thursday, July 26, 2007

Fernão Mendes Pinto na Ásia

Chamaram-lhe mentiroso depois de ter deixado de pertencer ao número dos vivos quando a sua obra, a Peregrinação, foi publicada depois de trinta anos de sua morte.
Partiu de Lisboa em procura da aventura e a fortuna no Oriente em 1537 com a idade de 26 anos.
Regressou pobre em 1558 - igualmente como quando tinha partido - e no quase final de sua vida, pelos bons serviços prestados à Pátria Portuguesa, Filipe II de Espanha e Rei de Portugal, atendeu o pedido dos Padres italianos João Pedro Maffei e Gaspar da Cruz, este Reitor do Colégio de Santo Antão, para que lhe fosse concedida uma tença anual.
Chegou-lhe finalmente o tributo solicitado: "dois moios de trigo por ano enquanto osse vivo. Ainda nesse ano a oito de Julho morre Pinto."
Ninguém melhor que Fernão Mendes PInto descreveu, até aos dias de hoje, as terras por onde andou: Costa Oriental de África, Índia, Pegú (Birmânia) Samatra, Sião Cambodja, China e o Japão.
Tudo foi Pinto nas viagens, transbordantes de aventuras: caminhante, cronista, soldado da fortuna, pirata, irmão jesuita e o primeiro embaixador de Portugal no Japão.
Hoje era rico, no outro dia um Jó.
Pinto por onde vai passando encerra na sua memória privilegiada o que observa: a fauna, usos e costumes dos povos, tormentas dos oceanos a que também esteve sujeito e naufragando várias vezes.
João de Barros, o cronista que escreveu as Décadas da Àsia, serviu-se de informações de Pinto sobre o Japão, assim como confessou, claramente, jesuita, italiano, Giovani Botero na sua obra "Relações Universais", publicado em quatro volumes de 1991 a 1596.
Já velho, cansado e desiludido do mundo, Fernão Mendes Pinto, sentado junto à margem do Tejo "roidinho de saudades" aguarda as chegada das naus vindas do Oriente.
Pretende saber aquilo que por lá se ia passando.
Era o feitiço da nostalgia, oriental, a atormentar-lhe a mente no fim de sua vida.
Pinto quando começou a escrever a sua "Peregrinação", não teve qualquer pretensão de os relatos ser publicados. Poderemos também chegar à conclusão, que o escritor escreve a obra com o "credo no pensamento" e o terror de ser levado ao Tribunal do Santo Ofício da Inquisição que imperou, como repressão nas gerações portuguesas, muito além da jurisdição do Rei de Portugal, por séculos.
Pode não corresponder à realidade, quando ao iniciar o seu relato dizer que a obra era dedicada a seus filhos: ... pois me quiz (Deus) conservar a vida para que eu pudesse fazer esta rude e tosca escritura, que por herança deixo aos meus filhos (porque só para eles é a minha intenção escreve-la) para que eles vejam nela estes meus trabalhos e perigos da vida que passei no decurso de 21 anos"

Terminou este testamento de família e morre cinco anos depois. Passados trinta anos a obra foi publicada e, quantos cortes teriam sido feitos, pela foice severa de gume afiado do Inquisidor-mor, antes de ter sido conhecida do público. Assassinaram um relato impressionante, daquilo que Pinto viu e nunca antes escrito por cronistas seiscentistas portugueses ou estrangeiros. Conheceu no Oriente Francisco Xavier, foram, amigos e emprestou-lhe dinheiro para que o "Apóstola das Índias" construisse a primeira igreja no Japão.
Fernão Mendes Pinto foi irmão jesuita, mais tarde expulso da congregação fundada por Inácio de Loiola e nunca aclarado o motivo do afastamento. Aventaram a hipótese que Pinto era "marrano" (1), ou pelos "prazeres carnais", que certamente teve durante as suas aventuras orientais.Pinto usa a prudência ao escrever a sua obra em não designar as suas aventuras de amor no Oriente. Entende-se que o cronista não pretender chocar a família dando-lhe conhecimentos de suas paixões amorosas e exóticas no percurso de sua caminhada pela Ásia e Oriente. Paixões que atingiram muitos portugueses depois da era da expansão, entre eles: o poeta Luis de Camões, o escritor Venceslau de Morais, no Japão e o poeta Camilo Pessanha em Macau. Outros, no presente, anónimos entre os quais eu por exemplo.Pinto foi ferido pela seta do "Cupido" na Ilha da Espingarda, Tenagashima, no Japão.A lenda ficou. Todos os anos, nos festejos anuais, realizados nesta ilha em honra da espingarda portuguesa, introduzida por Pinto logo que ali chegou com credenciais de embaixador em 1543.

A festa é dedicada a Portugal. Há disparos da espingardaria lusa do século XVI, quando ainda o disparo da bala não era accionado pelo gatilho, mas incendiada a pólvora com o morrão da mecha.

Pelas ruas de Tenagashima, uma caravela com as velas de Cristo, percorre as principais ruas da cidade. Uma multidão, entusiasmada dá largas à alegria. No convés, marinheiros portugueses e o Fernão Mendes Pinto, todo garboso, na proa. Na ré a sua amada, nipónica de longos cabelos pretos esvoaçando ao vento.
Pinto deixou o Japão em busca de novas aventuras e terras e prometeu à sua amada - reza a lenda, já com um filho seu, que voltaria... Pinto nunca mais regressaria a Tenagashima e foi então que surge: " o poema da verdadeira paixão que fascinou as duas culturas, (2) a japonesinha de cabelos compridos e olhos negros amendoados, todos os dias em cima das rochas olha o horizonte do mar para o ocidente, na esperança do regresso do seu amado ao aconchego do seu seio".
Francisco Xavier morreu na Ilha de Sanchoão, na China. O apóstola tomou de base esta ilha (local de marginais e piratas), na esperança de poder entrar na China e propagar o cristianismo. Nunca seus propósito foram conseguidos e morreu em 1552.
O corpo do santo é levado numa caravela para Malaca e dai, para Goa, onde repousam suas relíquias. Fernão Mendes Pinto, depois de tantas tormentosas aventuras na Ásia, estava em Goa e com o propósito de regressar a Portugal. Relata assim a chegada dos restos mortais de Xavier a Goa: "Em este tempo o Padre Mestre Belchior determinou de ir numa fusta que o senhor viso-rey lhe deu, a buscar o corpo do Padre Mestre Francisco, que trazia hum irmão de Malaca, numa nao, e pola amizade passada que com ele tive, offerecy-me ao padre para ir com elle, como fui, e assi levou consigo três irmãos e 4 mininos da doutrina e a mim so, em outro de fora. Andamos polo mar 4 dias com suas noutes, em busca e achamos a nao junto// de Baticala, a 20 légoas de Goa...(3).
A fortuna não bafejou a Pinto na terra do sol nascente e escreveu:
"...nas partes da China e Japão e sempre me ocupey em ajuntar bens da terra que erao os que eu pretendia; sómente em Japão, todalas as vezes que lá fui ou mandey, acertei sempre perder; estando sempre penando nisto, queixando-me quam pouco ditoso fora em aquella terra, determinei de nunca tornar a ella, pois tudo me sucedia tao mal, e estando nisto, comecei a cuidar que se tornasse que me podia restaurar; acordando-me para confirmação do que me podia Deus ajudar, pois com ho dinheiro que eu tinha em Japão emprestado ao Padre Francisco, se ouve feito a primeira igreja e cassa da Companhia..." (3)
Poderá aqui entender-se que Pinto, neste seu relato de Malaca em 1555, quando foi para Goa para embarcar e regressar a Portugal. As suas economias encontravam-se decadentes. Mas foi ali, talvez, para recuperar o empréstimo feito a Francisco de Xavier no Japão.
Em Goa teve conhecimento que Xavier tinha morrido e seu corpo a caminho de Malaca. E no mesmo relato Pinto acrescenta: "E como esta determinação, cheguei a Goa, esperando as naos do reino para me partir logo, parecendo-me que minha glória e felicidade estava a entrar em Montemor com nove ou dez mil cruzados, e que com hum homem não roubasse o calis ou custódia da igreja, ou fosse mouro, que por nenhuma outra via se podia temer o inferno e que a misericórdia de Deos era grande." (3).
As cerimónias fúnebres de Goa em honra de Xavier são imponentes e com elas se aproveitam os jesuitas da propagação da fé. É então que Pinto influenciado pelo grande cerimonial e aliciado pelos missionários se consagrou à ordem como irmão jesuita.
Sabem os jesuitas que Pinto é uma figura com enormes conhecimentos da Ásia e Extremo Oriente e, além de se aproveitarem da sua generosidade, ele é necessário aos jesuitas para que o enviem como mensageiro a terras onde eles ainda não tinham chegado com a cruz. Com isto também o ter sido despojado das suas economias.
José Feleciano de Castilho diz-nos:
"Acharam-no na Índia um homem aproveitavel, por seu talento, sua influência, suas relações e suas riquezas; lançaram-lhe o arpão. Chamaram-no ao confessionário, entregaram-no à direcção do mais hábil, preparam cenas de efeito, surpreenderam-lhe os votos, apoderarram-se-lhe da riqueza, negociaram com as suas virtudes e, seu exemplo, levantaram-no ao sétimo Céu. Amaldiçoado pela sua saída, conjugaram esforços contra o desgraçado (...); já o perseguem em Goa, a ponto de o constranger a fugir dali, já o enredam com o governo de Portugal de modo que não receba renumerações os seus serviços; já impõem aos seus escritos sepulcral silêncio acerca de notável homem; já fazem espalhar as vozes mais desfavoráveis para o seu crédito; já enfim, cometem, para prejudicá-lo, as mais vergonhosas falsificações".
No século XVI, pouco depois da sua obra ter sido publicada, o povo português estava habituado, ver para crer, não aceita ou dá crédito às narrações, daquilo que Pinto dá conta do que tinha visto na Ásia e desde logo inventam: "Fernão Mentes? Minto". Tem sido esta ligação entre pinto e a sua obra a Peregrinação, ainda muito pouco conhecida a grandeza deste livro, pelos portugueses:
"... e o escritor é posto assim no ról dos aldrabões que falam muito mas não dizem nada, uma espécie de vendilhão a tentar vender a sua "banha da cobra", que ninguém está interessado em lhe comprar" (4).
Sobre a a vida e obra de Fernão Mendes Pinto, poder-se-iam, na sua análise, escreverem-se milhares de pa´ginas de tanto que viu e passou no Oriente.
Mais adiante voltaremos ao assunto.
José Martins
(1) - Descendente da família judia ou cristão novo.
(2) - Avelino Rodrigues "Japão Mendes e Macau" Revista Macau
(3) - Carta do irmão Fernão Mendes Pinto para os padres e irmãos de Portugal, Malaca 5 de Dezembro de 1554. Documento existente na Biblioteca da Ajuda de Lisboa, 49.IV-49 fls.186 v-190 r (1) e publicada no volume 5 "Documentação para das Missões do Padroado Português do Oriente", por António da Silva Rego, em 1951.
(4) - Fernão Mendes Pinto - O outro lado do Mito de Maria Teresa Vale, em 1985

Imagens: Portugal 450 Anos de Memórias Japão coordenação e investigação de Gonçalo César de Sá - Embaixada de Portugal no Japão - 1ª edição 1993

1 comment:

tillymonteiro@yahoo.com.br said...

Olá!
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"Minha Pátria é minha língua" e quero estar em contato com os patrícios.
Parabéns por seu trabalhe.
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