Saturday, June 30, 2007

Venceslau de Morais na Tailândia



No princípio de Maio de 1995 recebi um fax do meu amigo Arquitecto Kol de Carvalho (Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal em Tóquio) para prestar assistência em Banguecoque ao Dr. Jorge Dias (infelizmente já não pertence aos número dos vivos) mais sua esposa e filha que chegariam no próximo dia 6 do mesmo mês.Fui esperá-los ao aeroporto e hospedei-os no hotel "Tower Inn" na Silom Road.

O Dr. Jorge Dias ofereceu-me duas obras suas: "Venceslau de Morais - Notícias do Exílio Nipónico" e "No Ádito da Ásia Episódios da Aventura Portuguesa no Oriente" (Instituto Cultural de Macau)

Em verdade pouco sabia de Venceslau de Morais, da sua vivência na Ásia e de suas obras. Li os dois livros e fiquei deslumbrado pelo Homem e pelas suas andanças e permanência no Oriente onde viria a morrer em 1 de Julho de 1929. Morais deixou este mundo e deu o último suspiro só num dia ou numa noite gélida depois de uma vida atormentada.

Junto a ele não se encontravam as "japonezinhas": O-Yoné e a Ko-Haru. Os amores de sua vida esperam por ele no cemitério de Tokushima. Não ouviu a última palavra de consolação de sua irmã Francisca Palú, em Nelas (Beira Alta), a quem enviou dezenas de postais ilustrados de 1913-1929 ocultando-lhe os seus amores e as necessidades, materiais, da vida quotidiana.A história de Venceslau de Morais na Ásia e extremo-Oriente é longa para aqui ser designada.

Vamos assim referir e transcrever a sua passagem por Banguecoque. O Dr. Jorge Dias começa por escrever: " A estada de Venceslau de Morais na Tailândia tem sido pouco estudada pelos seus biógrafos. Por esta razão a presença de Morais no Sudoeste da Ásia merece ser reexaminada".

Longe estaria de pensar que a canhoneira Tejo lançou a âncora, no leito do rio Chao Prya (Chao Praiá) em frente do Consulado de Portugal.

Graças ao Dr. Jorge Dias que teve a amabilidade de me ofertar os dois livros fiquei elucidado que Venceslau de Morais visitou a capital do Reino do Sião.
Vamos seguir a continuação do texto do Dr. Jorge Dias, principado acima:

"Em Março de 1890 o primeiro-tenente Morais assumiu o comando da canhoneira Tejo, em Macau. Em 20 de Abril a canhoneira largou para Bangkok, então capital do Sião, para colher informações "das condições em que se acha a colónia portuguesa naquela localidade". O navio chegou a Saigão a 28 pela tarde. Anteriormente estivera ali a corveta "Duque de Palmela" em 1873. Provavelmente fora o último navio de guerra português que ali estivera, antes da Tejo.


A canhoneira saíu de Saigão a 3 de Maio e foi largar ferro em Bangkok, em frente ao Consulado de Portugal. O Rei do Sião encontrava-se em visita oficial aos pequenos estados dependentes da península malaia.

A colónia portuguesa de Bangkok era formado por mais de 50 pessoas, todas macaenses, excepto um europeu. Segundo Morais, aqueles portugueses, activos e honestos, parte deles empregados do estado, eram bem pagos pelo governo do Sião. Segundo ele, os chineses, activos empreendedores, tinha invadido há muito o Sião e todo o mundo oriental.

Os siameses assistiam passivamente ao enriquecimento dos intrusos, minados por um ódio surdo, pelo que, sempre que podiam, os vexavam e espoliavam. Por esta razão os chineses procuravam a protecção dos cônsules europeus. A Inglaterra protegia os chineses de Hong Kong e de Singapura. A Holanda protegia os de Java. Portugal tinha sob seu patrocínio uns 120 chineses. (Comandante António Esparteiro, "Venceslau de Morais, Oficial de Marinha" Separata da Revista Ocidente )Lisboa 1969), Vol.LXXVII,pp,19).

Terminada a missão e trocados cumprimentos de despedida com o irmão do Rei, príncipe Soasti, a 19 de Maio, o navio largou no dia seguinte. Atravessou o golfo do Sião e na manhã de 30, largava ferro em Macau.O relatório de Morais foi elogiado pelo comandante interino da Estação Naval, capitão-tenente Carlos Augusto de Magalhães e Silva, que o considerou "excelentemente redigido, muito interessante e correspondendo cabalmente às instruções recebidas pelo comandante da Tejo". Este parecer acompanhou o relatório, que foi enviado ao Comandante Geral da Armada.

A informação confidencial do mesmo comandante foi redigida nos seguintes termos: " Comandante interino da canhoneira Tejo e nessa qualidade desempenhou muito stisfatoriamente uma missão em Bangkok. É muito morigerado, de trato muito agradável, de apresentação distinta, merece-me por todas estas qualidades o melhor conceito, reputo-o apto para promoção ao posto imediato".

Morais consagrou à sua viagem à Tailândia uma narrativa intitulada: " Em Bangkok", integrada depois em "Traços do Extremo Oriente". Nesta narrativa Morais evocou as margens viciosas do Meinam, com a sua casaria boiante. Estivera no recinto real. O Rei Chulalongkorn estivera ausente. Um príncipe amável mostrara as curisosidades. Morais vira jardins arrelvados, elefantes brancos e pagotes. Escreveu:

"Fixa-se a nossa atenção nas paredes revestidas de trabalhoso mosaico, nas incrustações de madrepérola dos portaes, nas allegorias do culto, no portentoso Budha, feito de uma só esmeralda de três palmos de altura, de valor inestimável. Ergue-se mais além o palácio real, n´uma elegantíssima fachada, cujo único senão está no mau gosto da sua arquictetura europea, sob um telhado, rendilhado em mil corujas,de pura feição indígena. Profusão de flores e de arbustos viçosos. Grande elephantes doirados, em pedestaes de mármore".

Depois de meio século de Venceslau de Morais ter visitado Banguecoque o escritor Ferreira de Castro, no percurso de sua viagem à volta do mundo esteve na capital do Reino do Sião. Na pena do Dr. Jorge Dias:

"O Sião permaneceu afastado das rotas de navegação indo-pacíficas até ao tempo de Ferreira de Castro. Era então um país singularmente remoto e exótico. Como Morais, meio século antes, Ferreira de Castro ficou deslumbrado pelo picturesco do estranho país e pelos encantos da capital: "Como capital, Bangkok é povoado bem modesto: como manifestação de pictoresco e de arte oriental é uma das cidades mais ricas do mundo". Depois de observar os canais, "os klongs", e a sua população flutuante, Ferreira de Castro extasiou-se perante as maravilhosas obras de arte "e são elas que, ao lado do pictoresto que é miséria, tornam Bangkok inesquecível - uma das mais estranhas cidades do mundo. Tal como Morais, Ferreira de Castro assinalou a importância do ~Budismo no país e admirou o Templo do Buda de Esmeralda, o Wat Pra Keo: É uma alucinante floração de templos das mai imprevistas linhas, de cúpulas doiradas e de torretas polícromas, de portas de oiro e de paredes revestidas de pedras cintilantes, que enchem tudo duma perene fulguração, cromáticos reverberros que extraem de quanto vemos todo o sentido da realidade". (Ferreira de Castro. A Volta ao Mundo (Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1942,pp.382 e 385)

Um contemporâneo de Morais, Eça de Queirós, aludiu em crónicas jornalísticas ao país, então ameaçado pela expansão colonial francesa:

"Além do seu rei, Sião possui toda a sorte de riquezas naturais, em plantações e minas. É portanto um delicioso e proveitoso país para possuir. Se eu tivesse meios de me apoderar de Sião, já esse reino seria meu, e eu exercia lá os meu direitos de conquistador com docura e magnamidade. Mas não tenho meios de me apoderar de Sião. A França tem. A Inglaterra também".

Como Morais e como um escritor francês admirado por aquele, Anatole France, Eça verberou com fina ironia o imperialismo europeu finissecular:

" Os paises orientais são feitos para enriquecer os países ocidentais - porisso com os Egiptos, os Tunis, os Tonquins, as Cochinchinas, os Siãos (ou Siões) se fazem para a Iglaterra e para a França boas e pingues colónias" (...)

À MARGEM

Há uns quatro anos, escrevi dois longos artigos, ilustrados, sobre a vida e obra de Venceslau de Morais. Fácil, algumas vezes, outras sem o contar a personagem de Morais entrava dentro de mim com violência ao ponto de atingir a emotividade pela vida miserável que o marinheiro, o escritor e o diplomata tinha levado durante a sua passagem no Oriente.

Achava-me como Morais inserido num cúbiculo, onde ele por vezes tinha o desejo de extrair do seu ser aquilo que lhe seguia na alma. Mas logo lhe chegava o desalento e vontade de atirar para cima de sua secretária a caneta.

Era o homem amargurado de vida que no seu todo não lhe foi madrasta. Teve duas "japonezinhas" que amou e o amaram. A magia do oriente estava embrenhada no seu ser. Foi um homem culto, orgulhoso, ao morrer (acreditamos) sorriu-se, com desprezo, dos homens que o ignoraram.

(Para ler os artigos que acima citamos: www.aquimaria.com/html/forum.html )

Porém o Japão não o esqueceu!

Encontra-se viva a sua permanência no Japão. Um busto em bronze foi erigido num jardim público da cidade de Kobe.

José Martins

Wednesday, June 27, 2007

DR.JOAQUIM CAMPOS: O DIPLOMATA, O MÉDICO E O HISTORIADOR

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Joaquim José António de Campos, historiador e médico, nasceu em Anjuna, concelho de Bardês, a 11.10.1893 e faleceu no Sião a 13.5.1945.
Era filho de Agapito Campos.
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Após a sua formatura, em medicina, pela Escola Médica de Bengala, onde chegou a ser um dos redactores do "Century Journal", exerceu, por muitos anos, clínica na África Inglesa, regressando a Goa em 1934.
Proferiu nesse ano, no Instituto Vasco da Gama, de que era sócio desde 1925, duas conferências sobre antiguidades portuguesas na África Oriental.
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Foi depois nomeado cônsul de Portugal em Banguecoque, Sião, a cuja Legação foi despachado com a especial missão de dirigir as investigaçãoes históricas aí iniciadas com o fim de estudar os feitos portugueses naquelas paragens do Oriente.
O próprio governo siamês, em atenção à vasta cultura histórica, nomeou-o tambem principal conselheiro da Repartição de Arqueologia de Banguecoque.
Como historiador dedicara-se "ao estudo da arqueologia portuguesa em terras de que os portugueses foram desapossados, mas onde as memórias portuguesas não se têm ainda apagado".
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Foi dele que partiu, em 1924, a iniciativa da restauração do actual Instituto Vasco da Gama, tendo ressurgido após um longo período de 50 anos. Ferreira de Castro definiu-o no seu livro "A Volta ao Mundo" como "um prestigioso português de Goa, de bondade infinita e vasta cultura". (a)
Obras do Dr. Joaquim Campos publicadas:
Historia do Convento e Igreja de Badei;
Antiguidades Portuguesas em Mombassa e na Costa de Azania;
Diogo Veloso, Princípe do Cambodja;
Early Portugeses Accounts of Thailand
A Preliminar note on the treatment of pulmonar tuberculosis....;
Aspectos do Antigo Sião Peninsular ;
Na Velha Ayuthaya. Esboço Histórico;
Armas de Fogo no Velho Mundo Malaio;
The origin of the tical.
(a) Bibliografia publicada pelas publicações: "Porjecho Adar", 1937 e "Heraldo",1937
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O Dr. Joaquim Campos assumiu a gerência do Consulado de Portugal em Banguecoque em 1936. Depois do falecimento do Encarregado de Negócios Luis Leopoldo Flores, a 16 de Abril de 1916, o consulado no espaço de 18 anos teve como cônsules e encarregados:
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Alfredo Casanova, cônsul de 2ª classe, de 1916 (parte do ano) e 1917;
Atílio Diana de 1918 e 1919;
Goffredo Bovo, gerente interino ( cônsul de Itália), em 1920;
António Bernardo Cirílio de Sousa, de 1921 a 1922;
Gofredo Bovo, gerente interino (cônsul de Itália, de 1923 a 1927;
José Luis Pereira de Sousa Santos, de 1927 a 1934;
Goffredo Bovo, gerente interino (cônsul de Itália) de 1935.
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Como nota curiosa o Cônsul de Itália, Goffredo Bovo, foi o "tapa-buracos" de quando um representante, português, partia do Consulado de Portugal em Banguecoque que de imediato lhe entregavam a gerência.
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Ministério dos Negócios Estrangeiros não tinha interesse, algum, pelo Consulado de Portugal em Banguecoque. Dinheiro, de Lisboa, pouco chegava, para fazer face ao funcionamento do consulado e ao pagamento dos ordenados dos empregados, contratados, localmente.
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O clima, as moléstias tropicais, o longo tempo que as viagens demoravam de Lisboa ao Reino do Sião não incentivavam ou oferecia qualquer apetência aos funcionários para que viajassem até Banguecoque. Esteve, com isto, o consulado entregue ora umas vezes sob a jurisdição de Macau outras de Goa.
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Comércio entre Portugal e o Reino do Sião era praticamente inexistente.
O consulado lá ia vivendo das rendas dos terrenos à volta da residência (alugados a firmas locais ou estrangeiras), dos emolumentos consulares e das coimas que eram aplicadas aos portugueses, lusos-descendentes e aos "protegidos", no Tribunal Consular. Uma representação, portuguesa na Tailândia, virtual, a viver sob a indolência e ao "deus-calha".
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Porém, segundo, o português Elmínio Maria Joaquim Sequeira, informou, em 1940 a "Sociedade de Geografia de Lisboa" o seguinte:
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"......que o cônsul Dr. Joaquim Campos que os últimos três anos tem-se dedicado a investigações arqueológicas relativas à história portuguesa no Reino do Sião. Atingem muitas dezenas os descendentes dos Portugueses que outrora emigraram de Portugal, de Macau, de Malaca e todos estão bem empregados. Há uns cinquenta anos os seus pais e avós ocupavam lugares importantes no Governo siamês, uns foram conselheiros e outros ascenderam a altos postos de Administração Política.
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Não mantendo embora nenhumas relações seguidas com a Mãe Pátria ainda preferem o vinho português importado indirectamente e cozinham as iguarias à nossa moda.
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A língua portuguesa foi até 1859 o idioma diplomático; assim o atestam os primeiros tratados do Sião com a Inglaterra e com América, lavrados em português, siamês e inglês. Era tão poderosa a nossa acção naquelas terras que a própria correspondência do Rei do Sião com Luiz XIV de França era escrita em português".

(Elmínio Maria Sequeira, nasceu em Macau em 1863. Estudou em Hong Kong. Veio para Banguecoque em 1880. Trabalhou em diversas empresas estrangeiras. Em 1905 entrou para os serviços do Governo e na Repartição do Porto de Banguecoque. Foi condecorado pelo Rei Rama VI (Rei Varjiravudh) com a Ordem de V classe - Cavaleiro da Muito Honorável Ordem da Coroa do Sião - em 1911. Viria, anos depois, a ser condecorado com a Ordem de V Classe do Elefante Branco do Sião. Recebeu também uma medalha da Sociedade de Geografia de Lisboa.

Casou com Belarmina Francisca de Jesus, teve 8 filhos e todos desempenharam importantes cargos em bancos, institutos e organizações internacionais. Morreu em 1 de Junho de 1947. P. Manuel Teixeira - Portugal na Tailândia)

A informação de Elmínio Sequeira nos diz que no Reino do Sião ainda havia muitas dezenas de descendentes de portugueses, altura que o Dr. Joaquim Campos exercia funções havia quatro anos Toda esta gente vivia bem, tinham bons empregos e os seus avós tinhan desempenhado importantes cargos na administração pública do Sião. Elmínio exagerou na quantidade de lusos-descendentes, embora não se distanciando da veracidade sobre o desempenho, de portugueses nos serviços administrativos da Corte do Rei do Sião. Alguns deles são interpretes nos departamentos de Justiça e empresas, estrangeiras, que se estabeleceram logo após a formação da nova capital.

A língua portuguesa por séculos tinha sido a "franca" e a utilizada para a redacção dos tratados entre o Sião e as nações estrangeiras. Portugueses que nascido em Portugal, Goa ou Macau, dominavam três línguas: a tailandesa, a inglesa e a portuguesa. O cônsul médico Dr. Joaquim Campos chegou ao Sião na altura própria e como um Homem vocacionado para a cultura, não se alheando o seu patriotismo, veio "injectar" sangue novo no consulado de Portugal na Tailândia.

Uma representação diplomática que tinha andado de mãos-em-mãos, sem nada ter produzido seria necessário, mesmo que comércio não houvesse, que ao menos as raizes históricas de já vários séculos fossem avivadas e trazidas à luz do dia.

O médico-cônsul foi de facto um homem activo, apesar de sua estatura, corporal, pequena (analisamos isso de quando, estivemos a representar a Embaixada de Portugal na exumação de suas ossadas, no Cemitério da Silom, em 27 de Dezembro de 2004 que depois foram transferidas para o novo cemitério da Santa Sé, em Nakhom Pathon), mas possuía uma alma grande!

O Dr. Campos além de suas funções como Cônsul de Portugal, exercia a medicina no seu consultório, na New Road (nas proximidades do "Oriental Hotel"), frequentava os círculos culturais de Banguecoque e a mais importante, instituição, cultural a "Siam Society" publicou um seu brilhante trabalho, de investigação, em língua inglesa: " Early Relations of the Portuguese with Siam". E "Early Portuguese Accounts of Thailand" no jornal (extinto), "Bangkok Times".

Um dos objectivos de Dr. Joaquim Campos é a recuperação das antigas propriedades de Portugal no Siam.

Vamos transcrever a correpondência trocada entre o Dr. Joaquim Campos e Lisboa:

Cópia -Nº. 18-Serie F. 25 de Maio de 1937
Exmo. Snr. Director Geral da Fazenda Pública - Ministério das Finanças-Lisboa
Tenho a honra de enviar a V.Exa o Relatório sobre as quatro velhas propriedades portuguesas hoje possuidas por outros donos, juntando alguns documentos e mapas referentes às mesmas propriedades.
Como V.Exa verá, a questão de reivindicar os direitos do Estado a estas propriedades é algo complexo e a cada propriedade estão ligados diferentes circunstâncias quanto a sua concessão e quatro as entidades portuguesas que as possuiram, isto é, (1) portugueses vivendo em comunidades (2) El-Rei de Portugal )3) Padroado d´El-Rei de Portugal, etc.
Por falta de co-ordenação de documentos tem havido muitas confusões nos espirítos até dos nossos próprios cônsules antigos no Sião como Guilherme Ferreira Viana e o Frederico António Pereira, pois estes documentos em épocas diferentes andaram dispersos uns em Macau e outros em Goa, e ainda outros em Lisboa onde foram mandados os documentos do arquivo de Bangkok.

Como me viesse dedicando aos estudos dos assuntos desta ordem desde há muitos anos e especialmente desde a publicação em inglês da minha obra intitulada "History of the Portuguese in Bengal" em 1919, e conhecendo também alguns valiosos documentos que estão no arquivo Histórico de Goa, eu tenho podido co-ordenar os fatos relativos às prorpriedades em face dos documentos e destrinçar o que se refere a actual Feitoria e as outras concessões.

Não é por isso difícil agora estabelecer legalmente direitos do Estado as propriedades alienadas havendo porém único receio da prescrição que talvez vá prejudicar a causa sendo levada aos tribunais.
Quanto a vasta propriedades de Aiuthia que esta nas mãos de diversos donos sem mesmo terem títulos de posse, temos de entendermo-nos com o Governo do Sião. Eu farei todas as diligências necessárias logo que tenha instrucções dessa Direcção.

Mas oferece-se agora boa oportunidade porque está em projecto o novo Tratado entre Portugal e o Sião, e durante estas negociações seria conveniente também abrir a questão da propriedade de Aiuthia. Embora a restituição da propriedade não faça parte integrante do Tratado, pode-se chegar a um acordo sobre a mesma. A questão da Missão Francesa fica em outro plano de acção.

Pois temos de fazer a devida representação de factos em Roma baseando a reclamação em documentos incontestáveis. Vou pedir a Governo de Goa reproduções fotográficas das cartas originais do Rei do Sião escritas em Siamês, como também cópias das cartas originais em Português que as acompanhavam. No caso que o Papa não queira atender nosso pedido podemos então levar a questão ao Governo do Sião ou aos tribunais se é que for possível evitar a prescrição.

Por, ora, seja no caso da propriedade de Aiuthia ou no das outras propriedades, é conveniente tomar os passos em Lisboa - primeiro por causa do projecto do Tratado e no segundo porque é uma questão com a Roma. Não sei se poderia eu servir os interesses do Estado melhor indo a Lisboa com todos os elementos e informações para fornecer a essa Direcção e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros durante os dias em que o Ministro Plenipotenciário do Sião hade estar lá para discutir as baes do Tratado.

Mesmo para formar os processos sobre o Campo do Rosário, o de Santa Cruz e o de Samsen afim de enviá-los a Roma e co-ordenar os documentos uns dos quaes estão em Goa e outros em Lisboa e sobre os quaes tem havido já muitas confusões, seria de grande conveniência que se fizesse tudo isto em consultas com essa Direcção. Além disso desejaria, se essa Direcção concordar, abrir a questão do imposto que o Governo do Sião tão injustamente lançou sobre a actual Feitoria.

Na ocasião quando correu a longa discussão entre o Governo do Sião aconselhado por um inglês chamado Stevens e este Consulado sobre o lançamento deste imposto, não se tomou em devida conta que a Feitoria fora concedida livremente pelo Rei do Sião exactamente para os fins de negócio e lucros por causa dos quaes foi lançado o imposto.

Se V. Exa acha que é conveniente que eu venha a Lisboa com a devida licença será necessário que por conta da Feitoria ou da Fazenda seja paga a passagem de ida e volta e uma subvenção durante os dias de residência em Lisboa.

Eu pessoalmente não tenho nada que ganhar com a viagem e pelo contrário durante a aussência hei de perder os proventos da minha clínica de médico. O meu único intuito é bem servir a Nação e ver restituidas as propriedades alienadas.

V.Exa resolverá melhor se a despeza será justificada. Em todo caso, vá ou não vá a Lisboa, farei tudo o que for possível aqui em Bangkok ganhar o fim que temos em vista e para o que aguardo as intrucções de V.Exa.

Aproveito desta oportunidade para reiterar a V.Exa os protestos de mais alta consideração. - A Bem da Nação - O Consul, (a) Joaquim Campos

RELATÓRIO

Sobre as seguintes velhas propriedades portuguesas no Sião:

I. O Campo Português em Aiuthia )1516-1767)
II. O Campo de Santa Cruz em Dhomburi perto à Bangkok
III. O Campo do Rosário em Bangkok perto a actual Feitoria
IV. O Campo de Samsem em Bangkok

I O Campo Português em Aiuthia

Aspectos históricos

Aiuthia foi a antiga capital do Sião tendo sido fundada em 1350 e completamente destruída na guerra pelos Birmaneses em 1767, sendo porisso transferida depois a capital para Bangkok. Foi nesta velha cidade de Aiuthia que os portugueses travaram as antigas relações com o Sião, auxiliando os Reis nas suas guerras e obtendo porisso grandes concessões e privilégios.

Logo após a conquista de Malaca, o grande Albuquerque enviou à Corte do Sião o seu primeiro enviado Duartes Fernandes ao qual seguiram António Miranda de Azevedo e Manuel Fragoso) Comentários de Albuquerque, Lendas de Gaspar Corrêa).
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Foi porém em 1516 que Duarte Coelho, o enviado do Governador de Malaca, estabeleceu o primeiro acordo com o Rei Rama Tibodi II e colocou o padrão com as armas de Portugal (Barros, Décadas; Castanheda, História etc.). Em troca do apoio e petraxo de guerra, aos portugueses foram concedidos vários privilégios comerciaes e um terreno para fabricação das suas casas e egrejas.
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Como o Rei precisasse dos portugueses para fundir canhões, fabricar fortalezas e instruir os siameses na arte militar, o número dos portugueses foi aumentando e em 1535 o Rei prajai do Sião tinha no Corpo da Guarda 120 portugueses.
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Foi durante o reinado deste monarca que Fernão Mendes Pinto esteve no Sião e descreveu como os portuguese auxiliaram o Rei na sua guerra contra o Rei de Chiangmai. Na guerra de Pegu em 1548, Aiuthia salvou-se pelo heroismo dos portugueses que se bateram pelos siameses.
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Isto consta até da Crónica Birmanesa "Mhayazawin". Considerando o grande número dos portugueses, uns comerciantes independentes e outros no serviço do Rei, não é para extranhar que o rei lhes concedesse um grande terreno para suas residências, pois que todos os estrangeiros moravam em colónias separadas e não dispersas pela cidade.
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Tendo eu passado três dias em Aiutia, fiz todas as investigações, umas arqueológicas e outras com o ponto de vista de viabilidade de tomar conta d´esta propriedade ainda conhecida como "Ban Portuguet"
Campo Português

Este campo situado ao longo do Rio Menam Chow Phya tinha o cumprimento de mais de dois kilómetros, e até hoje as ruínas estão espalhadas por quasi um kilómetro ao longo do rio.
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A largura era mais ou menos 300 metros e a área seria mais ou menos 2000x300=600,000 metros quadrados. Como se vê do mapa de Courtaulin elaborado por êle próprio local em 1670, o campo não foi quadrilatero mas abrangia uma área mais ou menos circular tendo ao redor um canal de água, e sendo porisso chamado em certos livros a "Ilha dos Portugueses".


Os indícios deste canal ainda existem o que verifiquei pessoalmente.Além do mapa de Coutaulim de 1670 publicado na obra de A. Launay há o mapa do La Loubére, e o holandês A. Kaempfer de 1690.
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Mas o que é importante pelo ponto de vista do Governo do Sião, é que o Phya Boran ex-vice-rei de Aiutia marcasse no mapa que acompanha a sua recente sobre Aiuthia o local do Campo Português indicando até os sítios de duas egrejas portuguesas, a de Sam Paulo e a de Sam Domingos que diga-se de passagem, fui eu que apresentei ao autor poucos meses antes de sua morte. Durante a minha última visita encontrei também o local da igreja Franciscana, e ruínas do cemitério e de algumas casas.


Abandono do Campo Português em Aiuthia -1767
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Em 1767 os birmaneses destruiram toda a cidade de Aiuthia, incluindo as casas e igrejas dos portugueses. Como depois a capital foi transferida a Bangkok, todos os portugueses dispersos no Sião juntaram-se perto de Bangkok onde lhes concedido mais campos e terrenos assim como o de Santa Cruz e do Rosário de que tratarei adiante.

O Campo de Aiuthia foi porém abandonado. Com o volver dos anos, a velha cidade e a toda província de Aiuthia voltou a ganhar importância como centro de cultura de arroz.
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Os Malaios e os Siameses ocuparam o campo sem ninguém lhes oporem resistência. Há 25 anos, isto é, em 1912, a Missão Francesa também intrometeu-se lá e tomou conta do lugar de igreja de Sam Paulo e conseguiu obter um título de posse.
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Mas nem em 1912 e mesmo em 1925 quando era fácil tratar desta propriedade pensou-se que o campo de Aiuthia podia ser vantajoso a Portugal, não só porque as varzeas podiam render alguma coisa ao Estado mas ainda mais porque era um retalho da nação intimamente ligado as glórias e ao heroismo dos pioneiros portugueses que neste próprio Campo e na Côrte do Rei do Sião ganharam muitos triunfos e sofreram também vários revézes.

A situação actual do Campo

Hoje todo o terreno é possuído por diversa gente mas poucos têm os títulos de posse. Parece até que o Governo Siamês não dá títulos de posse convencido de facto que a propriedade pertencia aos portugueses. A parte ocidental é possuída pela Missão Francesa que com o pretexto de todas as igrejas católicas serem a propriedade da Missão conseguiu obter o título da posse dado pelo Governo.
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O local onde estava a igreja de Sam Domingo é um mato mas na parte de frente, isto é, na borda do rio alguém fabricou uma casa de madeira embora conforme as informações que colhi no local o homem não tem título de posse.
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Assim diversos siameses ocupam o local entre a igreja de Sam Domingo e o limite do norte marcado no meu croquis, sem ninguém possuir os títulos de posse. Pela borda do rio há indústria de pesca e de madeira. Por lado oposto ou lado occidental todo o terreno está convertido em varzeas de arroz.


Todos estes actuais possuidores podem alegar posse. Mas a lei da posse e prescrição na falta de documentos é elástica no Sião e se o Governo quizer, pode facilmente desalojar os intrusos.
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Além disso pode-se contestar que as concessões feitas pelo Rei as outras nações são inalienaveis e também não se pode aplicar a prescrição aos bens do esatdo como não se pode aplicá-lo aos bens do Governo do Sião.Vou estudar os aspectos legias em consulta com os advogados.
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Mas em todo o caso a maneira mais fácil de conseguir o nosso fim, é tratar disso na ocasião de concluir o novo Tratado com o Sião. Projecto do Tratado entre Portugal e o Sião embora, pelo aspecto legal, hajam dificuldades para tomar conta da propriedade, estamos agora em situação favorável porque trata-se neste ano de novo Tratado entre Portugal e o Sião que denunciou o velho Tratado entre Portugal e o Sião que denunciou o velho Tratdo de 1925, devendo o praso de denúncia terminar em 5 de Novembro deste ano.
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Ora o Tratado de 1925 assinado em Lisboa não foi nada favorável aos interesses de Portugal. Pois pelo este Tratado Portugal renunciou os direitos de jurisdição Consular e direitos de extra-territorialidade sem obter nada em troca. Esta era ocasião a mais propícia não só obter a propriedade de Aiuthia mas ainda mais concessões se insistissimos.
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No mesmo ano a Inglaterra e a França renunciaram seus direitos de jurisdicção consular mediante concessões territoriais importantíssimas. Pois a Inglaterra ganhou uma província nos limites de Malaia com um milhão de habitantes. A França obteve concessões nos limites de Indo-China, e ambas estas nações estabeleceram tribunais internacionais com juizes ingleses e franceses, e além disso muitos conselheiros nas diferentes repartições do Governo Siamês.
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Portugal com o Tratado perdeu os direitos de jurisdição sem mesmo esforçar-se tomar conta das propriedades que por direito pertenciam a Portugal. Mas afinal o que foi feito fez-se em boa fé. Na ocasião do Tratado estava um italiano como "Charge d´Affaires de La Legation du Siam".
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É claro que ele não podia conhecer os interesses de Portugal, e em Lisboa sem as devidas informações não se podia saber nada a respeito das propriedades alienadas e de grandes concessões em troca de jurisdição consular. O resultado não podia ser favorável. Digo isto não para culpar o passado mas porque torna-se necessário, para lição proveitosa, dizer certas verdades mesmo que sejam amargas, tanto mais que se trata agora d´um novo Tratado.
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Deve-se notar porém que com o novo Tratado não será tão fácil obter concessões de valor pois agora as condições são diferentes. Em 1925 Portugal renunciou os importantes direitos de jurisdição consular que o Governo do Sião queria ver terminado a qualquer custo e fazendo todos os sacrifícios.
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Agora com o novo Tratado o Governo do Sião procura apenas terminar os direitos da evocação que não têm importância nenhuma pois nunca foram usados desde que foi assinado o último Tratado. A oportunidade propícia de 1925 não pode voltar. Mas em todo o caso creio que é preciso na ocasião do novo Tratado envidar todos os esforços possíveis para reivindicar os nossos direitos às propriedades e mesmo para acabar com o imposto sobre os imóveis da Feitoria, que é muito injusto e com que o Governo do Sião mimoseou-nos em recompensa de boa fé e boa vontade de Portugal.
II

O CAMPO DE SANTA CRUZ

Após a queda de Aiuthia em 1767, Sião esteve a dominação Birmanesa por poucos meses. Um general siamês chamado Phya Thak logo no ano seguinte (1768) ganhou a independência do Sião e estabeleceu a nova capital em Dhomburi muito perto a Bengkok. Tendo 79 portugueses se batido pelo Sião na gerra de independência, o Phya Thak concedeu-lhes um campo em Dhomburi para as suas residências.
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Este é o Campo de Santa Cruz onde os portugueses fabricaram uma igreja de que se apossou a Missão Francesa em 1825, tomando conta também do vasto terreno onde ainda existem os descendentes portugueses (vide Documento nº 1; o ofício do Cônsul Viana, pg. 1., onde ele se refere ao Documento da Concessão que realmente é o Campo de Santa Cruz e não do Campo do Rosário como ele pensou).

Não posso dizer se este Campo de Santa Cruz foi dado ao Rei de Portugal ou aos portugueses porque o Documento Nº 1 a que se refere o Cônsul Ferreira Viana e onde consta a concessão deste Campo, como também aos seus 18 documentos não existem no arquivo deste Consulado, as parece-nos que devem existir no Ministério dos Negócios Estrangeiros em Lisboa, onde, por ordem superiores, foram mandados em 1887 pelo Cônsul Frederico Pereira muitos documentos relativos aos factos anteriores a 1834 como também 4 livros deste arquivo bem empacotados numa caixa de zinco como consta duma nota do mesmo cõnsul.
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Em todo caso, o Campo de Santa Cruz não foi oferecido pelo rei Phya Thak à Missão do Padroado e porisso a Missão Francesa, mesmo admitindo a hipótese que é sucessora dos bens do Padroado, não pode ser sucessora dos bens oferecidos aos portugueses e especialmente das propriedades oferecidas ao rei de Portugal como foi o Campo do Rosário de que vou tratar mais largamente adiante.
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A Missão Francesa fabricou neste Campo de Santa Cruz uma nova igreja, um convento e uma escola. Muitos cristãos siameses, alguns deles com nomes portugueses, moram neste campo. A questão deste capo deve ser tratada juntamente com a do Campo do Rosário.

II

O CAMPO DO ROSÁRIO

Este Campo é muito importante e valioso porque está ao longo do Rio Menam Chow Phya e muito perto a Feitoria do Estado, e podia render ao Estado tanto quanto rende a Feitoria, se não cahisse nas mãos da Missão Francesa.O Campo foi concedido em 1786 ao El-Rei de Portugal pelo Rama I ou Somdeth Ph´ra Boran etc., o primeiro Rei desta dinastia, logo que ele mudou a capital de Dhomburi a Bangkok.

Isto foi em consideração do apoio que foi dado pelos portugueses nas guerras com o Rei da Birmânia (Vide Documento Nº3). A carta da concessão foi recebida em Goa em 28 de Dezembro de 1786. A sua cópia estava no arquivo deste Consulado e em 7 de Janeiro de 1787 o Cônsul Frederico Pereira enviou à Sociedade de Geografia de Lisboa uma cópia que ele extraiu. O Cõnsul Frederico Pereira porém confundiu a concessão do Campo do Rosário com a concessão da Feitoria actual.

Esta última foi feita em 1820 pelo segundo Rei desta dinastia Rama II, e o documento que se refere a esta é inteiramente diferente. Vão os documentos das duas concessões juntos para V.Exa ajuizar do caso. Major J.J. Nascimento Moura no seu excelente artigo "Relações dos Portugueses com o Sião" no Boletim da Agência Geral das Colónias também confunde as duas concessões uma com outra o diz que embora o Rei oferecesse o terreno em 1786 e se tivesse pensado na Feitoria, só em 1820 que se estabeleceu a Feitoria.

O Cõnsul Ferreira Viana que não tinha o documento da concessão do Campo do Rosário à mão, confundiu a concessão do Campo de Santa Cruz com esta concessão.

Os factos são estes e podem-se provar em face de documento. O Campo do Rosário foi oferecido pelo Rei do Sião em 1786 ao Rei de Portugal (Vide Documento da Concessão Nº III, que é uma cópia da carta que foi dirigida ao Rei de Portugal por via do Vice-Rei de Goa). Nesta carta o rei do Sião refere-se a este terreno como concedido para "fazer feitoria e também fazer igreja".

Como não houvesse cônsules a este tempo, Frei Francisco Chagas do Padroado tomou conta do terreno concedido em 1786 foi aproveitado.

Neste terreno ou campo o Frei Francisco Chagas fabricou a igreja do Rosário e os portugueses fabricaram casas para a sua moradia e para o seu negócio, que quer dizer "fizeram feitoria" como desejava o Rei. Esta porém não foi a actual Feitoria que foi concedida em 1820 por uma carta do Rei inteiramente diferente. Os portugueses viviam em comunidade no Campo do Rosário.

O terreno era comum mas as casas, a do Joaquim Maximiano da Silva suscitou a questão de que tratou o Cônsul Viana.Os portugueses não só faziam comércio morando no Campo do Rosário mas até fabricavam os seus navios lá, pois este campo está situado à borda do rio.

Alguns navios construídos neste campo estão registados neste Consulado. Um deste foi o navio "Concórdia" e um descendente do proprietário deste navio, chamado Filomeno de Jesus que ainda vive e tem 75 anos de idade lembra-se bem de que os seus pais lhe diziam a respeito do Campo do Rosário e da construção dos seus barcos.

Em 1825 após várias lutas com os portugueses, tanto a Roma sempre estado ao lado da Missão Francesa esta tomou conta da igreja do Rosário. Mas o campo continuou na posse dos portugueses, que em 1869 foi disputado pela Missão Francesa. Para ajuizar da questão vão juntos dois documentos que são cópias de dois ofícios dirigidos pelo Cônsul Ferreira Viana ao Ministério do Sião em 1869 contra a pretensão da Missão Francesa.

Por grande infelicidade, o Cônsul Viana morreu submergido no rio só três dias depois de dirigir o seu segundo offício que vai junto como Documento Nº2.

Foi então encarregado o Secretário do Consulado, muito inexperiente, e a Missão Francesa facilmente apossou-se do terreno. Não sei porque os Cônsules posteriores não levantaram a questão.O Cônsul Viana, deve-se notar que nos seus ofícios diz que o Campo foi concedido aos portugueses quando realmente foi concedido ao El-Rei de Portugal, e porisso ao Estado.

A razão disto foi que o Cônsul Viana não tinha à mão o documento da concessão do Campo do Rosário, mas tinha outro documento que se referia a um Campo concedido aos portugueses pelo Phya Thak em Santa Cruz. Pensou porisso que este último documento referia-se a concessão do Campo do Rosário.Ademais, o Cônsul Viana não fez diferença entre as propriedades concedidas a "El-Rei" e ao "Padroado d´El-Rei". Antigamente esta diferença talvez não era necessária.

Mas considerando que as Missões de Propaganda apossaram-se de muitas propriedades das Missões do Padroado especialmente na Índia, convém manter que os terrenos concedidos a El-Rei não têm nada a ver com estas. Felizmente podemos provar que o Campo do Rosário está nas mesmas condições como a actual feitoria do Estado.O máximo que Roma podia fazer com as suas diferentes Bulas e que podia mandar a Missão Portuguesa entregar a igreja à Missão Francesa.

Mas não podia mandar entregar à Missão Francesa as propriedades dos portugueses e especialmente as do rei de Portugal. mesmo agora não importa que a Missão fique com a igreja contando que nos restitua toda a outra parte arrendada aos chineses.Considerando que a Missão Francesa está de posse do terreno por quase setenta anos parece-me que seria melhor apresentar a Roma os factos juntando os devidos documentos por via do nosso Ministro acreditado ao Vaticano.

Que a Missão francesa fique com a igreja não importa contando que a Missão seja mandada pelo Papa restituir outra parte do Campo pois que toda a propriedade era dávida do Rei do Sião ao Rei de Portugal em consideração do apoio dado pelos portugueses na guerra contra o rei da Birmânia.

Se a Roma recusar a fazer isso, então podia-se procurar os meios que podiam valer nos tribunais do Sião para evitar a prescrição, que parece-me não se poder aplicar aos bens do Governo, mas esta questão nos tribunais seria muito árdua aliás de ser dispendiosa.

Se V.Exa estiver de acôrdo comigo que é mais conveniente tratar a questão primeiro com a Roma, escreverei ao Governo de Goa para mandar extrair cópias das cartas dirigidas pelo Rei do Sião aos Vice-Rei de Goa. Outros documentos será necessário procurar em Lisboa pois que, como disse, todos os documentos deste arquivo foram mandados ao Ministério dos Negócios Estrangeiros do qual este Consulado e a Feitoria dependiam de Goa e de Macau.

Na obra de Adrian Launy, que pertencia a Missão Francesa, sobre a História da Missão estão publicados alguns documentos e informações dos Missionários Franceses, que nos podem servir, mas evidentemente os mais importantes que podiam deitar luz sobre as intigras da Missão foram suprimidos. estou extraindo desta obra todos os factos descritos pelo ponto de vista da Missão Francesa, porque é necessário conhecer os argumentos da oposição para poder rebatel-a

IV
O CAMPO DE SAMSEM

O Campo de Samsem perto a Bangkok é vasto onde há duas igrejas e um grande número de cristãos anamitas, isto é de Annam ou Cochin-China: este Campo pertenceu à Missão Portuguesa do Padroado e não parece ter sido oferecido ao rei de Portugal como foram os outros Campos. Apesar de muitos esforços não tenho podido encontrar qualquer referência à carta deste terreno.
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Mas conforme a tradição o Rei ofereceu o terreno ao Padroado Português mesmo que fosse afim de fazer estabelecer lá um grande número dos anamitas covertidos pelos próprios missionários portugueses.
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Também moraram lá muitos descendentes portugueses e até hoje embora todos eles fala o siamês, usam dos vocábulos portugueses, "bom dia", "boa noite", "louvado seja Jesus Cristo etc."

A Missão Francesa tomou posse da igreja ao mesmo tempo em que apossou-se da Igreja do Rosário, e tendo uma vez ganho entrada nas igrejas posteriormente facilmente tomou posse dos terrenos também.

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Todos os passos que se deve tomar afim de estabelecer os direitos do estado às propriedades das Missões do Padroado nos lugares onde este foi extinto, dependem de Lisboa. Esta questão é muito velha e creio que nunca se achou uma solução satisfatória. Por toda a Índia estão espalhadas propriedades riquissímas do Padroado que passaram para a Propaganda.
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Conclusão
Como vai exposto, todas as quatro concessões de que trata este relatório foram feitas em época e condições diferentes. Quanto à propriedade de Aiuthia, que é a mais vasta entre todas os meios que se devem empregar para conseguir à sua volta para o Estado deverão ser com o Governo do Sião, e a melhor oportunidade é a ocasião quando começarão as negociações do novo Tratado.

A respeito das restantes três propriedades que estão nas mãos da Missão Francesa, é preciso antes de mais entender-se com a Roma porque foi com sancção de Roma que os missionários franceses ganharam entrada nas igrejas portuguesas e depois conseguiram apossar-se das propriedades que se dizia eram do Padroado mas de facto pertenceram, exceptuando o Campo de Samsem, a El-Rei de Portugal ou aos portugueses.

Certamente o Padroado e menos ainda à Propaganda podiam ser sucessores do Rei de Portugal ou dos portugueses, cujo representante legítimo pode ser sómente o Estado.

Depende dessa Direcção tomar a resolução sobre os meios a adoptar para vingar os direitos do Estado, e sobre as normas que se deve seguir nas devidas reclamações, considerando os vários factos expostos neste relatório. Entre tanto aguardo as instruções de V. Exa e tomarei todas as medidas conforme a resolução dessa Direcção.


Bangkok, aos 25 de Maio de 1937

O Cônsul

a) Joaquim Campos


P.S. Foi respeitada, fielmente, a ortografia do autor. Apenas inseridos acentos em algumas letras.

Monday, June 25, 2007

O Relatório do Cônsul Frederico António Pereira

Capa do boletim da Sociedade de Geographia onde foi publicado o relatório do Cônsul Pereira

O Cônsul Frederico António Pereira, em 1887, produziu um excelente trabalho, a pedido da "Sociedade de Geographia de Lisboa". Um relatório, com valor histórico e um dos melhores, escrito na época, que conheço.
O representante de Portugal no reino do Sião, esteve à frente da Legação Portuguesa, de quando, apenas, eram passados 120 anos da queda de Ayuthaya.
Apesar, nessa altura, a esperança de vida ser curta ainda haveria em Banguecoque, pessoas que deveriam contar a história, recebida dos seus avós, em cima da queda da antiga capital.
São passados, agora, precisamente outros 120 anos desde que o cônsul Frederico António Pereira escreveu o texto abaixo transcrito.
E porque encontramos no relatório, publicado no "Boletim da Sociedade de Geographia 8ª série - Nº 8", um instrumento útil para os entusiastas e estudiosos na investigação, histórica, dos portugueses no Reino do Sião, vou assim, transcrevê-lo na íntegra. Encontramos muita informação em que o cônsul Pereira se guiou pelos relatos de Fernão Mendes Pinto de sua obra a "Peregrinação". Porém, como todos os historiadores, quer portugueses ou estrangeiros foram beber à fonte, histórica, dos relatos de Pinto.


RELAÇÕES DE PORTUGAL COM SIAM
E DAS MODERNAS ALIANÇAS D´ESTE PAÍS COM AS POTÊNCIAS ESTRANGEIRAS

Antigamente os povos da grande península Indo-China eram governados por dezenas de pequenos despotas que disputavam entre si a posse do seu território.Na província do norte do actual Siam governava em Sangkalock um certo Phya Uttong que, tomando uma grande preponderância sobre os reis seus vizinhos, augmentou os seus domínios; mandando reconhecer os paízes do sul, os enviados levaram ao seu conhecimento a existencia de uma ilha ampla e fertilíssima no meio do rio Chan Phya, conhecido hoje pelo Mé-nam, palavra siameza que significa, "rio". Phya Uttong resolve mudar a sua capital para esta ilha e vem com efeito, em 1350 da era christã, lançar ali os fundamentos de uma grande cidade a que chamou Ayuthaya, que no futuro foi theatro de grandes desastres e grandes glorias para o imperio siamez.
Foi tambem ali que este país começos a ter relações com todos os outros povos do oriente. Os seus domínios foram-se alargando prodigiosamente, a ponto de 1500 ter por tributários, alem reis do norte e leste, todos os potentados da península malaia, excepto Malaca, que se conservava rebelde á suzerania de Xá Thirát, a este tempo coberta já de templos de oiro. Em 1508 já os portuguezes dominavam a grande parte da India e conhecedores das riquezas e grandeza de Malaca informam d´isto el-rei D.Manuel, que faz equipar uma esquadra com o fim determinado de descobrir aquella região.
A esquadra parte de Lisboa em abril d´este mesmo anno, e o seu seu chefe Diogo Lopes Sequeira, depois de aportar em Sumatra, deixa um padrão na cidade de Pedir e outro em Pecem e chega a Malaca em 11 de Setembro de 1509. Foi bem recebido, mas traçoeiramente, e seria morto se uma moura, que tinha uma hospedaria, o não tivesse avisado.Voltou para Lisboa, deixando ficar alguns prisioneiros, entre os quaes Duarte Fernandes, que aprendeu a língua malaia. Affonso de Albuquerque, que se tinha assenhoreado de Goa, resolve partir para Malaca e dá-lhe o primeiro assalto em 1511.

Embora um pouco fictícia a posse d´este novo porto, Albuquerque resolve mandar um emissário ao rei do Siam offerecer-lhe asylo.Um junco china chamado Pulata partia para Ayuthaya e o emissário escolhido foi Duarte Fernandes, que levou ao rei, de presente, uma espada guarnecida de oiro esmaltado. Foi este o primeiro portuguez que entrou em Siam, cujo rei o recebeu muito bem e com grande satisfação por ver que os portuguezes tinham abatido o orgulho d´aqueles que considerava seus vassalos, mas que eram rebeldes.

Duarte Fernandes volta de Ayuthaya e com elle uma embaixada de el rei, mostrando o seu contentamento por os portuguezes terem tomado Malaca, e uma carta para D. Manuel, acompanhada de valiosos presentes. Na volta d´este embaixador foram a Siam António Miranda de Azevedo e Duarte Coelho, acompanhados de outros, pelos quaes mandor el-rei presentes de subido preço.
Foram estas as primeiras relações que Siam teve com europêus.

No que diz respeito á tomada de Malaca, as relações entre Portugal e Siam caminhavam como de commum interesse. Porém alguns revezes succederam aos primeiros impetos de glória, e, entre outros prisioneiros, Simão Rengel é vendido em leilão e comprado por um mouro que o conduziu a Meca. Um fidalgo siamez que estava ao serviço de Malaca ficou captivo dos portuguezes, a quem o pae do dito fidalgo resgatou em 1518, dando uma nau carregada de mantimentos.

Fernão Peres de Andrade tinha partido para a China em 1517 com nove naus e com elles alguns padres que começaram a prégar o christianismo nos imperios da China e do Japão. Uns trezentos soldados portuguezes tinham ficado ao serviço do rei de Camboge e acabaram por se estabelecer no paiz, introduzindo ali a religião christã.

Os portuguezes, que em grande numero se tinham espalhado por todos do oriente, reanimaram de vida e de prestigio com a chegada a Goa do apostolo S.Francisco Xavier, que pelo seu zêlo e virtudes era o exemplo de todos os missionários. O Pegú, Siam, Malaca, a Conchinchina, o Tonquim, emfim todos os povos da Indo-China, contavam já milhares de christãos convertidos por uns tres mil ou quatro mil portuguezes dispersos, mais ou menos dirigidos por padres jesuitas e dominicanos.

Quando os birmanes invadiram o Pegú, a frota era commandada por Cayeiro, um portuguez corajoso que, com perto de dois mil compatriotas, estava ao serviço do rei Mandára. Em 1513 este poderoso monarcha, cioso do rei de Siam, que possuia sete elefantes brancos, mandou-lhe pedir um, que foi recusado, e por isso levantou um exercito de trezentos mil homens e setecentos elephantes de guerra.
Este formidavel exercito exercito; commandado pelo portuguez Diogo Soares, entra em território de Siam; mas o rei d´este paiz tambem tinha portuguezes ao seu serviço; o seu exercito de quatrocentos mil homens era commandado por quatro marechaes de campo, dos quaes dois eram portuguezes, que o rei queria ter sempre ao seu lado. dois exercitos encontraram-se e os reis seus chefes travam um combate singular; mas o elephante do rei de Siam fugiu e a rainha Surijô-Thai (Suriyothai) que montava outro elephante, combateu corajosamente, mas morreu e o inimigo pôde penetrar até Ayuthaya, que foi sitiada. Por falta de viveres Diogo Soares levantou o cerco e evacuou o Siam.

Mas em 1547 o rei do Pegú, desejoso de possuir elephantes brancos, vem pôr de novo cerco a Ayuthaya e o rei consente emfim em dar quatro elephantes. Em 1558 Phra-Naret, bem auxiliado pelos portuguezes, jura uma guerra mortal ao rei do Pegú, e atacando-o nas fronteiras traz dez mil captivos.
Na Conhinchina e no Tonquim o christianismo tinha tomado um grande desenvolvimento, a ponto dos reis desconfiarem do seu poder, e receosos de perderem a confiança do seu povo, expulsam todos os christãos, que, uns fogem para Macau e outros refugiam-se no Siam.
Por esta ocasião, em 1570, Christovão Diogo, portuguez expulso do Japão, vem procurar refugio no Camboge, e é o primeiro europeu que penetra no interior e que vê e annuncia ao mundo as soberbas ruinas de Angkor e do majestosos templo de Nagkon Wat, sustentado por mais de seis mil colunnas de magnifico marmore.
Depois da tomada e posse definitiva de Malaca, muitos navios de guerra portuguezes, persegindo os piratas, iam até Siam, onde o rei empregava os tripulantes nas suas terras.
Foi assim que algumas centenas de portuguezes se fixaram perto de Ayuthaya, d´onde, juntamente com outros christãos, pediram a Goa alguns padres jesuitas, dominicanos e franciscanos, os quaes estabeleceram tres freguezias de quinhetas almas cada uma, vivendo sós até 1662, epocha em que chegou a Siam a primeira missão franceza com o bispo de Bérythe.
Um padre domminicano dá um plano para uma fortaleza que foi construida em Ayuthaya e que ainda hoje é a melhor e mais regular fortaleza de todo o Siam. Os portuguezes fundiram canhões e sempre a artilharia foi servida pelos christãos. Em 1578 Phra Narai fez guerra aos cambogianos; vencendo-os fez milhares de prisioneiros, e mandando matar o rei, teve a barbara coragem de lavar os pés no sangue fervente do inimigo. Augmentando assim em 1589 as forças do rei do Siam, que tinha uma confiança quasi absoluta nos portuguezes, resolve atacar e vingar-se do rei de Alva e Pegú.

Põe em marcha um formidavel exercito, cujos principais commandos foram dados aos portuguezes, e atravessando as colinas que dominam o golfo de Bengala descem como rapinas, assolando tudo até á beira-mar e de tudo ficam pacificos possuidores.Era brilhante o triunpho para ficarem sem premio aquelles que eram a causa d´elle. O rei de Siam concede novos privilegios aos portuguezes, e receando o desforro ou a vingança d´aquelles que acabava de vencer a titulo de recompensa, offerece ao rei de Portugal o porto de Marthaban por meio de embaixadores que enviou ao vice-rei da India.

Estes embaixadores voltam carregados de presentes e acompanhados de um dominicano, que foi muito bem recebido pelo rei de Siam com o qual concluiu um tratado muito vantajoso para Portugal. Uma nova embaixada em 1621 fez com que o rei de Siam pedisse de Goa religiosos de S. Francisco para prégarem o Evangelho nos seus estados, construindo-lhes igrejas e offerecendo-lhes riquezas que nunca foram acceites.
Em 1656 governava um tio de Phra Narai, o qual tentando violar-lhe uma irmã, este coadjuvado por mil e quinhentos portuguezes que havia em Siam, forçou o palácio, e o tio rei, querendo escapar-se disfarçado no meio da multidão, foi apunhalado por um portuguez. Phra Narai subiu ao throno com o auxílio dos portuguezes, a quem sempre foi grato.

Estátua de um soldado português com uma espingarda, imortalizado num templo budista na cidade de Lampang (Norte da Tailândia

Viveu até 1668, ephoca em que uma revolução derrubou os grandes edificios da liberdade e progresso implantados no paiz pelo celebre grego Constantino Falcão, para começar uma perseguição aos christãos e um periodo e abatimento que não devia acabar senão um seculo depois. O tratado de Munster tinha legitimado as conquistas dos hollandezes no oriente, garantindo-lhes a propriedade dos archipelagos das Molucas e de Java, em prejuizo dos hespanhoes e portuguezes que primeiro os tinham colonisado.

A companhia hollandeza das Indias fundada em 1605 tinha adquirido grossos capitaes com o rendimento medio de 22 por cento, e com o auxilio de dezasseis mil navios, mais de dois terços da totalidade dos navios do mundo n´aquella epocha. Isto não podia deixar de ser olhado com uma certa inveja por Colbert, o grande ministro de Luiz XIV, que a seu turno fundou a companhia francezas ads Indias orientaes.

Mas a França não tinha tido um tratado de Munster; precisava de conquistar, e as suas conquistas começaram pela fé. Em 1651 tinha-se formado em França a grande sociedade de padres para prégarem o Evangelho e em 1659 são noemados tres bispos. O bispo Bérythe parte para Siam, onde chega em 1662. Vae alojar-se no campo dos portuguezes, onde em nome do arcebispo de Goa lhe pedem os papais do papa.

Isto deu origem a certas desintelligencias, em virtude das quaes a missão franceza refugia-se no campo dos hollandeses, que a este tempo possuiam o melhor commercio de Siam. Os francezes começaram a prégar em portuguez, o que foi causa de maiores aggravos. De Goa vae um encarregado missionário a Siam pedir a expulsão das missões francezas e depois vae outro de Macau com o mesmo fim.

Os francezes expedem um dos seus para ir a Roma, passando por Inglaterra e França. Este missionário obtem de Luiz XIV, que em 1669 expede uma bulla permitindo as funcções episcopaes a M. de Heliopolis, que então estava em Siam, podendo exercer as ditas funcções em todas os paizes que não fossem do dominio dos portuguezes ou hespanhoes.Falta entrarmos com um elemento importante para a história d´esta epocha.

Constantino Facão, um grego protestante, tinha conseguido ser o primeiro ministro do rei de Siam depois de se fazer catholico, o que jurou na igreja dos jesuitas portuguezes, convertido por António Thomás, que, passando por Ayuthaya, ía para as missões portuguezas do Japão.Primeiro ministro e manejando todos os negocios de Siam, casou em 1682 com uma portugueza vinda do Japão, por nome Guiomar de Pina. Se Portugal não tivesse acabado de recuperar a sua independencia ou se tivesse podido tambem recuperar o seu prestigio no oriente, Falcão, que precisava de um apoio estrangeiro, não procuraria outro senão o dos portuguezes.

Este lhe conviria mais porque, alem de ter as sympathias do paiz, tinha uma cidade sua a 2 leguas da côrte, com três igrejas, um seminário e uma população de mais de dois mil habitantes, e gosava de um grande prestigio para a guerra.
Porém Falcão sabia que não podia contar com recursos de Lisboa e precisava de evitar a conquista de Siam pelos hollandezes, que se tinham assenhoreado de Malaca. A guerra entre a França e a Hollanda tinha feito de Luiz XIV o grande rei da Europa, e Falcão decide-se a pedir a amisade da França, para onde partiu uma embaixada siameza que naufragou no Cabo.

Sabendo d´isto Luiz XIV, manda a embaixada a Siam. O chevalier de Chaumont é recebido com a maior deferencia, e partindo para França leva de presente a Luiz XIV a cidade de Zingora, em posição propria para defender Siam das forças hollandezas. Falcão pede ainda a Kuiz XIV algumas tropas e em 1687 chegam doze companhias com oitocentos homens, que vão alojara-se nas fortalezas de Bangkok; o rei de Siam e o seu ministro grego estavam bem seguros dos hollandezes e julgaram-se ao abrigo tambem do que podessem fazer os descontentes do paiz.

Porém o numero d´estes ultimos augmentava, na côrte por verem que um estrangeiro os domina, nos pagodes por verem que a religião christã é protegida e progride em detrimento da sua. Os hollandezes, que começam a ver concorrencia ao seu commercio, fazem parte commum com os nobres e os padres do país, intrigando os francezes. D´ahi a revolução de 1688.
Pitraxa, chefe da conspiração, apodera-se do palacio e do rei em Louvô, e manda matar Falcão. Os francezes começam a soffrer uma guerra cruel, á qual têem de ceder, indo muitos refugiar-se nas christandades portuguezas, que conservam o seu prestigio por meio da sua inactividade natural por falta de padres instruidos, no meio de gente habil na intriga e na politica do paiz.
Este periodo vantajoso aos interesses da França terminou com o poder do novo monarcha, que, tendo vivido nos pagodes e affecto á sua religião, expulsou todos os francezes, respeitando todavia os christãos portuguezes, que davam asylo aos outros estrangeiros, a quem curavam e soccorriam, levando-lhes o alimento ás prisões. Esta caridade não foi bem vista pelos siamezes, que condennaram alguns a servirem os elephantes, o que assim não era muito degradante.
Durante dezenas de annos Siam viveu na anarchia interior, sem que outras potencias estrangeiras viessem entremetter-se, o que é de certo devido ao abatimento da Hollanda, ao começo do desenvolvimento da Inglaterra e emfim ás evoluções polticas por que passou toda a Europa no seculo XIII.
Em 1758 recomeçou a guerra dos birmanes por causa dos elephantes brancos. O rei de Ava vae cercar Ayuthia, e depois de dois annos de resistência apodera-se d´esta capital, reduziando-a a cinzas. Rei do Siam escapa-se para os bosques e more de miséria. Os francezes que, em decadência, conservam as suas missões, foram novamente expulsos e captivos para o Pegú, juntamente com os padres portuguezes.
O bispo de Trabaca é conduzido com os christãos portuguezes para o mesmo destino; mas no caminho, os portuguezes, armados de coragem, derrotam os seus condutores birmanes e fogem para o Camboge. Só o bispo seguiu o seu destino.


Ruínas de Ayuthaya a antiga capital do Reino do Sião

Em 1767, emquanto Ayuthia se via a braços com estes males e na dependencia de um conquistador cruel, um governador de uma provinvia do norte, por nome Phya-Thak, homem corajoso, prevendo a ruina da capital, reune uns mil homens decididos e retira-se para as montanhas de Nakhon-Najok, onde se defendeu sempre dos inimigos. Phya-Thak parte para Bang-plasoi, onde foi acclamado rei, e d´ahi para Rayong, reunindo sempre homens de boa vontade.
Depois de atacar a Cochinchina e o Camboge, que submette á sua auctoridade, volta ás ruinas fumegantes de Ayuthia e extremina os inimigos sem piedade. D´ahi parte para Bangkok, que toma para sua residencia em 1769. Os christãos, dispersos por uma tal catastrophe, começam a reunir-se em Bangkok e os portuguezes conseguem erigir a igreja de Santa Cruz.
Phya Thak, o libertador da patria, mostra-se cruel e os seus mandarins eram batidos de rotang. D´ahi uma conspiração que obrigou o rei a fazer-se talapão. O primeiro ministro apodera-se do throno e, transportando o palacio para a margem oriental do Mé-nam, fundou o Bangkok moderno em 1782. Este usurpador, que é o primeiro rei da dynastia actual, tomou o nome de Phra-Phute-Cháo-Luang e reinou até 1811.


Igreja de Santa Cruz em 2007

Depois das novas residências dos christãos em Bangkok, eram estes outras tantas ovelhas sem pastores. A França manda padres e o seu bispo. Os portuguezes, depois de muitos pedidos para Goa, obtêem que de lá lhes mandem alguns padres, que se retiram cobertos de miséria. Emfim, em 16 de Abril de 1782, frei Francisco Chagas, da ordem dos prégadores, é nomeado em Goa para ir a Siam e vae.
Ciosos de prestigio que tinham ainda os portuguezes, os padres francezes, mais instruidos e fortes, começaram a intrigal-os com o fim de se verem livres do padre Chagas, concebendo para isso um plano muito original. Fizeram crer aos siamezes que a cidade de Goa regorgitava de pedras preciosas e que o padre Chagas, que dispunha de muita influência, poderia lá obter milhões d´ellas para ornamento dos seus pagodes e do palacio real.
Emfim, em 12 de dezembro de 1784, conseguem que o rei de Siam ordene ao padre frei Francisco das Chagas que vá a Goa comprar : seis cattes de esmalte fino de differentes qualidades; rubis finos de primeira sorte, um milhão; ditos de segunda sorte, dois milhões; esmeraldas finas de côr verde, um milhão d´estas duas grandezas: o, O - (Esta lista foi encontrada nos doc. ant. do consulado.) Mas dinheiro nem um real! Era manifesta cilada.
O padre Chagas partiu e com elle o ultimo facho da luz do christianismo de Portugal, luz que não devia voltar senão com o brilho de tantos milhões de pedras preciosas, impossiveis de obter! E com elle se foi tambem para sempre o restigio de Portugal, o que aliás é devido às evoluções do seculo.
Os desgraçados portuguezes que ficavam em Bangkok não cessavam de escrever a representar para Goa, pedindo padres até 1790, anno em que receberam, com data de 4 de maio, uma carta do arcebispo, primaz do Oriente, dizendo-lhes que o secretario da propaganda lhe tinha feito constar, por dois breves que a missão de Siam não pertencia aos portuguezes, mas sim ais vigarios apostolicos; que bem sabia que os portuguezes tinham uma colonia com seu capitão, mas em Roma havia informações em contrário, e era necessario tratar das questão por Lisboa na curia romana; e que no entretanto deviam os christãos aproveitar-se dos padres francezes, pois que alem d´isso os padres dominicanos não tinham com que sustentar-se.
Os portuguezes insistiam em pedir padres, até que em 1806 o arcebispo de Goa, frei Manuel, lhes dá um desengano formal, ordenando-lhes "que entreguem aos missionários apostolicos da propaganda as suas igrejas, capellas e tudo o mais que tivessem em seu poder e que se fizessem humildes ovelhas da propaganda, pois teriam o inferno por certo se continuassem a ser rebeldes". Calaram-se os portuguezes com medo do tremendo papão, e assim passaram aos vigarios apostolicos as missões portuguezas de Siam que de direito nos pertenciam.
Desde que não houve padres portuguezes e que o novo rei concedeu a liberdade de consciência, as missões francezas progrediram e começaram a construir igrejas nos logares que tinham sido concedidos para as igrejas dos padres portuguezes.
Em 28 de Dezembro de 1786 ainda o rei de Siam escreve para Portugal, concedendo o estabelecimento de uma feitoria em Bangkok, a qual ainda hoje possuimos e é onde se acha o edificio do consulados, em roda do qual se tem formado modernamente uma grande cidade estrangeira que liga com o palácio fundado em 1782 em uma extensão de 7 kilometros, e contando uma população superior a um milhão de habitantes.
O seculo XIX apresentas-e com um caracter differente. A propagação da fé e o espirito guerreiro dos seculos anteriores cede o campo ao commercio internacional e á influencia ingleza. Senhora da India, de todo o golfo de Bangala e de todas as posições importantes da costa occidental malaia até Singapura, era natural que a Inglaterra começasse a olhar para Siam com certa cobiça.
Em 1816 o embaixador Canning estabeleceu as bases de um commercio regular, sem comtudo obter dos siamezes outras vantagens. Adam, Crawford, Dangerfield, em 1821, fallam do commercio e dos interesses que podiam vir ao Siam, mas estes paiz olha desconfiado para a Inglaterra, porque esta tem contribuido para a desannexação dos potentados do sul da peninsula malaia.
Parker e depois Neale, em 1852, querem mais commercio e mais garantias para elle, mas Siam recusa formalmente o estabelecimento de um consulado inglez.
Em 1833 Siam concluia com a America um tratado, no qual foi concordado que, se para o futuro Siam permitisse o estabelecimento de consulado de qualquer nação com excepção do de Portugal, a America podel-o-ia estabelecer tambem.
O que este tratado tem de mais curioso é que foi exigido pelos siamezes que d´elle se fizesse uma traducção em portuguez.
Porém não devemos admirar-nos d´isto, porque o portuguez foi a lingua diplomatica de Siam até áquella data. Constantino Falcão, o ministro grego de Phranarai, fallava o portuguez, e todos os documentos officiais nas relacções de Siam com a França eram traduzidos em portuguez. O padre Tachard escrevia em portuguez, e n´esta lingua prégaram os missionários francezes. O tratado com a America é o ultimo documento d´esta ordem traduzido em portuguez, e prova que até áquella epocha o inglez não era conhecido no Siam.
N´esta mesma data os siamezes dirigem uma expedição á Conchinchina, de one trazem milhraes de captivos, entre os quais mil e quinhentos christãos, sendo muitos portuguezes que foram servir nas fortalezas. Em 1851 o principe Cháo-fá foi enthronizado com o nome Somdet-Phra-Paramander-Maha-Monkut, etc., que deu o primeiro passo, concluindo tratados de amisade e commercio com as nações estrangeiras. É o pae doa actual rei.
Em 1855 Bowring enceta as negociações e em 1856 foram assignados tratados com outras potencias, que d´essa data começaram a estabelecer os seus consulados.
Só Portugal tinha a regalia de um consulado desde 1820, preferindo assim todas as outras nações pelo espaço de trinta e seis annos.Mas infelizmente, durante todo este periodo, Portugal soffria todos os malles da guerra civil, tendo como resultado natural o esquecimento das colonias e de todos os negocios do estrangeiro.
A nossa rehabilitação de 1820, nos negócios de Siam, foi pois uma chimera, e as vantagens incontestaveis da nossa situação poderiam dar-nos uma preponderância, se tivessem sido aproveitadas. Mas não o foram, e a Inglaterra, sempre vigilante e com a sua politica absorvente, herdou-nos este direito, que tem sabido cultivar, obtendo resulatdos fabulosos.
Darei aqui uma lista dos representantes de Portugal em Siam desde 1820.
Primeiro consul
Carlos Manuel da Silveira, consul desde fins de 1820 até 5 de maio de 1853. Veio acompanhado de um secretário e de um destacamento de um cabo e quatro soldados. Segundo as instruções que trouxe, conseguiu que fosse aprovado um tratado, que foi o preliminar dos tratados de 1856.
Segundo consul
Marcellino de Araujo Rosa. Tomou posse em 5 de maio de 1833 e exerceu o cargo até 22 de julho de 1852. Trouxe presentes do estylo, sem esquecer os presentes ao capitão do porto, que era o portuguez José da Piedade.
Primeiro encarregado
Joaquim Maximiano da Silva, secretario. Ficou encarregado, desde a saída do consul Rosa até março de 1855.
Terceiro consul
Frederico Moor.Tomou posse em 22 de março de 1855 e exerceu o cargo até 28 de abril de 1868.
Segundo encarregado
José Maria Fidelis da Costa. Esteve encarregado desde 28 de abril de 1868 até 16 de setembro do mesmo ano. É hoje director da alfandega de Bangkok.
Quarto consul
Guilherme Ferreira Vianna, o primeiro consul vindo de Lisboa, tomou posse em 16 de setembro de 1868 e exerceu o cargo até 25 de setembro de 1869. Morreu afogado, mas há dados incontestáveis de que suicidou.
Terceiro encarregado
Joaquim Vicente de Almeida, commissionado de Macau, exerceu o cargo desde 11 de maio de 1873 até 2 de outubro do mesmo anno.
Quinto consul
Eduardo Pereira Leite, commissionado de Macau, exerceu o cargo desde 11 de maio de 1873 até 2 de outubro do mesmo anno.
Quarto encarregado
Joaquim Vicente de Almeida, encarregado desde 2 de outubro de 1873 at]e 15 de janeiro de 1875
Sexto consul
António Feliciano Marques Pereira. Foi consul desde 15 de janeiro de 1875 até 1 de abril de 1881.
Quinto encarregado
Francisco Badorel Xavier, secretario, foi encarregado desde 1 de abril de 1881 até 6 de junho do mesmo anno.
Setimo consul
Henrique Jeronymo Prostes, foi consul desde 6 de junho de 1881 até 22 de Novembro de 1882.
Sexto encarregado
Francisco Badorel Xavier, foi encarregado desde 22 de novembro de 1882 até 4 de novembro de 1883.
Oitavo consul
Cancio Jorge, commissionado de Macau, foi consul desde 4 de novembro de 1883 até 16 de maio de 1884.
Setimo encarregado
Ernest Satoir, ministro de Inglaterra, foi encarregado desde 16 de maio de 1884 até 15 de setembro do mesmo anno.
Oitavo encarregado
Daniel Goulart, foi encarregado desde 15 de setembro de 1884 até 22 de julho de 1886.
Nono consul
O actual ( Frederico Antonio Pereira e o autor deste relatório)
Dar-lhe-hei duas tabelas curiosas.

Jose Martins

(Respeitada a ortografia da época)